terça-feira, 14 de maio de 2013

#eleéteologo




#eleéteologo

Voltamos do passeio e assim que sentamos no bar comecei a desancar os teólogos, dando corda a um fiapo de conversa que vinha descendo o morro:

Grandes bostas os teólogos. Lembro de umas aulas de filosofia da religião que fiz na unb na alvorada do milênio, olha a expressão. No alvorecer da história. Então a gente leu um livro sobre as características e as propriedades da deidade. Na aula o professor explicava um por um os atributos da Coisa: Onipotente – tudo pode. Onipresente – tá em todos os lugares. Onisciente – sabe tudo. Duas da tarde, maior sol, depois de dar uma bandejada. Mas se Ele tudo pode, seria capaz de levantar uma pedra que Ele mesmo houvesse criado e dito: “ninguém há de levantar essa pedra, pois seu peso é infinito”? Poderia? Tipo ser mais forte que Si mesmo? E outra: e se Ele não tivesse tido a idéia? Se não Lhe houvesse passado pela cabeça (criar tudo)? Nada existiria? Ele existiria, se não tivesse criado nada, nem a Si mesmo?
Essa coisa de “e se nada existisse” é curiosa, pensava isso desde criança, imaginando como seria se nada fosse, desculpetodivagando

E só o que eu pensava era: se alguém neste planeta é ignorante a respeito de deus, se tem um cara que não faz idéia do que tá rolando no plano das deidades, se tem um ignorantão completo em matéria de deuses, divindades e correlatos, esse cara é um teólogo. Sério. Hoje mesmo vi um vídeo no youtube de um padre falando horas sobre a sexualidade feminina, sobre o que se passa na cabeça e nas entranhas delas. Falando um monte de merda, cheio de misoginia, de preconceito, de ignorância mesmo. Pensei: meu filho, você não entende nada do assunto, tá fazendo papel de palhaço aí vestido que nem o Batman.

Por que dou bola pra esses caras? Admito que tenho um comportamento destrutivo muitas vezes, tipo gosto de sentir raiva, acho bonito e poético o sofrimento. Me martirizo com o pior da cultura pop, é sério. Por exemplo, ver o sex and the city. Me submeto, fico curioso. Tenho uma ou duas teorias sobre o que passa na cabeça delas, mas ver uns filminhos ajuda, tem uns insights, umas sacadas,

Foi nessa hora que Dagoberto apontou pra Marco Antônio e disse:

Ele é teólogo.

Como?

Marco Antônio: estou chocado com as suas simplificações baratas.

Antes disso, tinha tido uma experiência mística: um amigo tinha me contado o seguinte:

Não precisa ficar com medo do capeta, cara. É só um arquétipo. Uma idéia. Qualquer pessoa esclarecida sabe disso. O ser humano imagina coisas, inventa mesmo, é doido. Essa porra de capeta nunca existiu, é tudo manifestação esquizóide da doidera. Problema psicológico, puro e simples. Tilte no cérebro. Doença mental. Tem que ser materialista nesse ponto. Tem que manter a sanidade. Um lance positivista mesmo. Porra. Tudo o que há de maldade no ser humano, como a gente explica? Bota a culpa no capeta. Tão mais fácil, claro, tira todo o peso. Olha, é uma postura existencialista diante da natureza humana. Da condição humana, como queira. Cada um responde pelos seus atos, ponto final, ora essa. Não vem me falar que a culpa é de um bicho escroto que vive nos infernos. Noentantonoentanto

Poxa, adoro conversar com você, que é um cara lido. Em pleno século XXI a gente vê cada coisa medieval na rua, cada misticismo tolo, cada comportamento grosseiro. Os caras pirando mesmo no livro, fazendo as analogias mais descabidas com a serpente falante, o arcanjo tocando trombeta no apocalipse, a arca de noé interplanetária e futurista que vai levar a espécie humana pra outro planeta, desse naipe, os tele pastores dançando, exorcizando, espumando, tendo ataques epiléticos no horário nobre, o padre marcelo dançando com o gugu no meio das popozudas, isso tudo: esquizofrenia coletiva.

Sabe quando a gente vê os clipes dos anos 80 e pensa “como é que eles conseguiam usar esse penteado?”, eu fico pensando, no futuro vão olhar os arquivos dos nossos contemporâneos e hão de falar “nossa, quanta treva, quanta loucura.” Por outro lado esse tipo de merda ta entranhado, são centenas de gerações regurgitando o troço e morrendo, e afinal supõe-se que a religião seja um consolo nesse sentido, o esvair-se do mundo, então eles ganham. Sabe, “Seu cajado me consola”? Então. Estão todos bem consolados, apesar de parecer o contrário.

Esse meu amigo lê certa passagem bíblica como “a pegadinha de Abrãao.” Bob Dylan também já tirou um sarro. Deus fala ao personagem: “Para provares que me ama, mata teu filho.” Muito evoluído da parte Dele fazer esse tipo de proposta, realmente uma prova de equilíbrio psicológico. Como assim, “mata seu filho”? É brincadeira? É pegadinha? To achando meio sem graça, numa boa.

Não, peraí, tinham outras leituras iconoclastas das escrituras. Moisés era traíra. Maior X9. Criado pelo egípcios a base de trigo e danoninho grego, dormindo nas melhores sedas do oriente médio, foi conspirar com a judeuzada e ainda agilizou um maremoto pelas costas. Jesus Cristo? Do narcisismo (fazendo milagres de modo seletivo e só quando lhe convinha estupidificar os outros) ao nepotismo (meu Pai me botou pra dentro, carteirada é comigo mesmo), o rol de torpezas vai longe. A gente só tava brincando.

Eu tava tendo uma idéia, que era escrever uma história chamada “O comedor de evangélicas”, ia ter uma pegada de humor e filhadaputagem, o personagem seria um cínico que freqüenta cultos e flerta com as devotas até consumar o ato sagrado. Ao ouvir os sermões, mil sacanagens passam pela sua cabeça: “de sainha no joelho, que delícia, que correta, olha só como ela ora, como implora em vão perante as pedras. Vou mostrar uma coisa pra ela.”
Mas voltando ao diabo,

Não, não faça isso. Não gaste sua energia escrevendo uma coisa de tamanho mal gosto. Sabe, nem todos os livros devem ser escritos. Ficar assim fustigando os outros, rindo da ignorância alheia, ridicularizando o que pra você pode ser banal mas que na mente deles (doidos) pode gerar um desgaste emocional, um karma mesmo... Vai ter gente te detestando. Será que é bom, ser detestado? Comprar a polêmica e dizer “agora todos me detestam”, será a melhor estratégia, o melhor legado?


No fim, ficamos comentando as histórias dos mitos. Todos: de jung, passando pelo o levy strauss, até o joseph campbel: narrando de novo essas histórias e fazendo inferências, contextualizando. Como nelson rodrigues ao escrever epicamente sobre uma partida. Sabe, dar um colorido? Perto do mitólogo, o teólogo é criancinha. O mitólogo conta a história e o teólogo delira.

Marco Antônio me achou simplista, tá no direito dele. Mas o que eu falei foi isso:

Fora coisas muito específicas como os detalhes de uma cirurgia no cérebro ou a deflação flutuante de vênus, acho que qualquer um pode dar opinião sobre qualquer assunto. Geopolítica, história, mitologia, isso tá jogado: é de quem pegar. Se apenas um teólogo sabe a real dimensão da teologia, aí fudeu tudo. Vocês querem privatizar a deidade agora, é isso? Dizem: “O ser humano fica arrebatado num delírio tremendo perante a coisa inconcebível!” Mas e se não ficar? Se não for espiritualizado, se achar que teologia é coisa de viado? Se tocar um fds pra porra toda?

Falava tudo isso como o maior dos materialistas, mas não tava sendo sincero. Ainda estava sob o efeito narcótico da história que tinha ouvido.

Voltando ao diabo, claro que é tudo muito simbólico. Mas aí vem um dia e: tenho a porra da experiência mística. Vejo a porra do cão sarnento, vejo o monstro na minha frente. Fui assaltado, eu e minha mina. O assaltante veio e rendeu a gente com uma arma e eu reagi e rolou um arranca rabo. A arma devia ta descarregada eu acho, senão ele tinha atirado. Não sei, mas o cara, vendo que eu frustrei o assalto dele – tava noidaço, cheiradaço – de repente deu um efeito cinematográfico nele, sério, ele soltou um grunhido desses mais escrotos, grunhido de porco com macaco estrangulado, um som alto mesmo, abriu a bocarra com um zilhão de dente podre e imenso, o olho pegando fogo, o corpo no transe da possessão mesmo,

Ele saiu correndo. Mas acho que ali eu vi alguma coisa.

Um espírita me conta que um analfabeto de repente desatou a escrever em alemão e italiano. Como explicar?


Ademais, como imaginar que Marco Antônio era teólogo? Ta certo que o conhecia há pouco mais de vinte minutos, mas nada no seu comportamento acusava tal mirabolância, o cara ser teólogo, não se vê isso todo dia, hoje as pessoas estudam bioquímica aplicada, engenharia de estratosfera, mas um teólogo? Já tinha acontecido outras vezes, aliás sou o rei da gafe. Semana passada mesmo tava na casa da minha tia e começo a desfiar meu senso crítico numa rodinha de conversa: “sinceramente, aquela revista do correio de domingo, por favor, matéria sobre penteado de cachorro, esmalte de galinha, pokémon de mini saia, depilação a laser na virilha, aplicação de nitrogênio líquido no beiço, tratamento de canal pra porquinho da índia, puta que pariu que baita carrilhão de frivolidade, que grandes bostas é o jornalismo brasileiro, a que ponto chegamos” e uma menina – até bonitinha – que tava na minha frente, acompanhada com o meu primo: “eu trabalho nela...” e eu “hmmm, vou pegar uma cerveja.” E teve outra história, pior ainda, aconteceu comigo (mentira): tinha entrado de penetra numa boca livre onde rolava, olha o chique, uma sessão de canto lírico. Fui lá na frente e fiquei olhando uma fulana se esgoelar no último do agudo, desafinando com gosto. “Hehehe” disse pro meu vizinho (que parecia embevecido) “que coisa, hein, de estourar o tímpano” e ele, brabo “é minha esposa que está cantando, respeito” e eu “não, não, a voz dela é linda, perfeita, o problema é a música, barbaramente mal escrita, sem a menor noção de ritmo ou melodia” e ele “fui eu que fiz a música” e eu fui pegar uma cerveja, digo, um vinho, que era um lugar nesse estilo.