domingo, 4 de setembro de 2011

#opoemaabissal



#DDD
#opoemaabissal

Uma vez um cara muito louco chegou com uma história muito estranha
Perguntando se eu conhecia uma poesia que vinha das entranhas do planeta
E que tinha influência das lendas da Amazônia e dos contos épicos e míticos dos vikings
E o nome era O Poema Abissal.
Eu disse que não sabia, mas que a história parecia boa
E ele me contou uma coisa que eu achei maravilhosa
Talvez porque eu tava bêbado na madrugada de uma sexta feira
Pensando no real propósito da coisa toda no meio de uma vertigem de auto conhecimento.
O Poema Abissal era a lenda de que falavam os aedos, poetas homéricos da Grécia Antiga,
Na época das guerras médicas relatadas por Heródoto e de tantas estripulias obradas pelos deuses eletrizados de ácido lisérgico.
Relatos que inclusive inspiraram o grande ficcionista argentino em contos clássicos de fritar o cérebro com pimenta como O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, Biblioteca de Babel e Loteria da Babilônia.
Era O Poema Abissal.
Ele era proferido e invocado a cada sete milênios numa língua já esquecida por um punhado de sábios nas cavernas do Tibet
E diz-se que Witgeinstein foi o último a ouvi-lo por isso ficou louco e acabou sendo asfixiado pela grandiloqüência da linguagem.
Mas O Poema Abissal também podia ser conhecido por aqueles que tinham a paixão pelo abismo e pela queda e que tinham fé absoluta na força da gravidade
Porque não é por acaso que as coisas têm um peso e qualquer idiota sabe disso.
Se você mentalizasse grandes ímãs eletromagnéticos, se fosse por um momento uma latitude, um ponto que se alastrasse pela terra,
Pela África, pelo Mar Mediterrâneo, pelas ilhas do Oceano Índico,
Aí você podia recitar a primeira letra da primeira da primeira poesia que era justamente o espelho arquimediano dO Poema Abissal.
Que é idéia e criatura, coisa pensada, existida e imaginada, que é como diria o ilustre escritor inglês,
Um continente conceitual.
O Poema Abissal é um continente conceitual a ser desbravado pelos curiosos e os artistas,
Todo louco no planeta tinha uma fagulha do Poema dentro das moléculas orgânicas e dos glóbulos vermelhos do sangue,
Era o poder e a força e a grandeza do milagre literário
dO Poema Abissal.
Um acontecimento único, um diamante esculpido na carne da eternidade ao mesmo tempo estrela e galáxia e super-nova e caldo de anti-matéria.
O Poema Abissal.
Eu achei sensacional porque era justamente a metáfora perfeita da minha incompletude a da minha busca por uma migalha de transcendência,
Como se eu fosse o autor desse Poema antes mesmo de ter nascido e como se ele fosse algo próximo de do infinito,
Porque o infinito não dá pra ser imaginado a não ser por quem não tem nenhum medo do abismo, quem morre dando risada, quem vive sendo toda hora fustigado pelas coisas sobrenaturais de que se falam
Nas antologias compiladas pelos homens que escutam lendas e histórias de uma obra rara
Chamada O Poema Abissal.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

#ocerebrodoherculano

#DDD
#ocerebrodoherculano
tu fica aí falando de dor de ouvido pra cá, dor de ouvido pra lá, tu não faz a menor idéia do que é uma dor de ouvido de verdade. Pior foi o que aconteceu com o herculano: entrou uma barata no ouvido dele quando ele tava dormindo, um baratão cabuloso, e foi parar quase no cérebro. E ficou lá. Morreu e apodreceu dentro dele. E que cirurgião tirava aquela porra? Era uma barata grande. Quase morreu. Ele falou que não ouvia nada, só o zumbido das patinhas da barata. Sem poder falar, sem nem mexer o maxilar, a infecção chegou no nariz, no olho, na boca e até no cérebro – veja bem – e era o cérebro no Herculano. Uma barata. Pra tirar tiveram que cortar a orelha fora, enfiar um troço delicadíssimo – já tava tudo carcomido. Ele mal respirava. E não é que tiraram a porra da barata? Já toda fossilizada, na porta do sistema nervoso central. Parece que ficou 90% surdo de um ouvido e 20% do outro. E vai saber o que a barata fez ao cérebro dele. Mas ele tá de boa. Outro dia jogou uma pelada. Costuraram a orelha de volta, mas se pega uma bolada servida sai voando aquela porra

#feroztaligado?

#DDD
#feroztaligado?
feroz, ta ligado?, já tinha sido preso uma vez e falei não vou ser preso de novo caralho, se essa porra desse polícia vier me encher o saco eu pego o meu berro nervoso e dou uma porra duma esburacada nervosa nessa porra desse porco miserável eu já fiquei engaiolado e praquela merda não volto nem morto e aí to eu lá comendo o meu sanduba co meu berro na cintura, sandubão nervoso cas bolota de carne lá posto de gasolina e cas mão nervosa tremendo dentro do casaco, se ele viesse era uma petelecada só no meio da cara, tinha passado o dia cheirando uma farinha cabulosa e tava voltando de uma correria que fiz pruns pleiba do plano, eu não ia rodá por causa de dez migué de pó que tava no casco da moto, e eu lá rangando o sandubao nervoso e o meganha entrou, olhou em volta, eu fiz que não era comigo, fiquei só mastigando aquela parada, tomando us golão de coca cola, cabei o sanduba, limpei as mão no guardanapo e fui indo pra moto e quando tava chegando veio mais dois, apareceu não sei de onde aquelas porra, num deu tempo nem de tirá o berro nervoso, eles já vieram imobilizando, dando mata leão, caralho de asa do inferno, essas porra dessas polícia filha da puta, essas merda que é mais bandido que nóis que é bandido mermo, bate na gente, rouba a droga da gente, inventa coisa po delegado que não é verdade, eu fico revoltado quesses cara, nervoso

#caraoucoroa

#DDD
#caraoucoroa
pilotar é fácil, mais moleza que andar de bicicleta, difícil mesmo é pousar o troço, mesmo tendo voado mais de trezentas mil vezes ainda hoje fico com medo na hora de botar o bicho no chão. Você tem que ir chegando, ir dando e tirando a potência do motor, uma coisa milimétrica, dificílima, até ele finalmente tocar as rodas no chão, sempre há risco, com tempo ruim então. De certa forma é muito parecido com trepar porque – como sou macaco velho, 57 anos – eu sempre seguro a porra até o último segundo, até não agüentar mais. Hoje por exemplo trepo muito melhor do que trepava quando era casado. Veja bem, no terceiro ano de casamento percebi que tinha feito uma merda. Aí nasceu um filho, nasceu outro, eu fui ficando acomodado – nada contra meus filhos, são maravilhosos, todo homem deve ter filhos – e fiquei vinte e quatro anos casado, separei tem seis. Eu tinha que cantar a mulher no começo do mês pra ver se ela me dava no final. Era uma tortura. Hoje eu passo ali na quinze, pego uma putona, encosto o carro em alguma quebrada e recebo a chupeta. Gozo e vou embora. Simples. Sabe, sou piloto e engenheiro aeronáutico. Construo peças de avião e gosto de ocupar minha cabeça com coisas muito mais metafísicas do que essa-vidinha que a cambada leva. Mas claro que não sou um monstro amoral, tenho os meus limites. Outro dia tava lá trabalhando numa peça e chega no pátio uma menininha de dez – dez! – anos e me pede um beijo. Na verdade eu queria comer é a mãe dela, que é uma delícia. Dez anos! Eu, velho, feio, barrigudo, dente estragado, e ela pedindo um beijo! Na boca! Fiquei completamente sem reação. Mandei passear, dei umas moedas pra comprar balinha e pirulito. Meu deus! Olha, tenho 57 anos, mas ainda dou um caldo grosso. Me ensinaram outro dia o melhor jeito de tomar viagra. Não é na hora h não. Toma ali na hora do almoço e esquece. De noite você vê o estrago. Dou um caldo forte, boto muito moleque no chinelo. Essa rapaziada hoje em dia só quer saber de droga, de encher a cabeça de fumaça, e a mulherada fica na mão. Hoje gosto mais do que nunca de mulher. Mas quando vejo minha ex, me pergunto como é que fiquei mais de vinte anos com aquilo. Quer dizer, ela tá acabada. Tem a minha idade. Já disse isso pros meus filhos: pra casar, a mulher tem que ser pelo menos doze anos mais nova que o homem. Pelo menos. Uma mulher de 48, um cara de 60, é um casal que pode dar certo. O cara não perde o tesão e a mulher tem lá a estabilidade que quer. Ano passado mesmo eu tava saindo com uma gatona de 25 anos. Pagava tudo pra ela. Roupa, jóia, sapato, viagens. Tudo. Um dia aluguei a melhor suíte do Nacional, a gente trepou, jantou e ficou abraçadinho. Aí ela perguntou: “com tudo isso que você me compra, eu não saio muito cara?” e eu: “na minha idade, ou é cara ou é coroa

#feioonegócio

#DDD
#feioonegócio
feio o negócio. Me enrolei com uma mulher casada. É foda. Eu já conhecia ela das antigas. Tinha uma historinha com ela. Aí sumiu no mundo e depois de um tempão dou de cara com ela. Eu chegava na casa dela de manhã e a gente fodia o dia todo, todo dia. Já entrava lá noiado. Deixava a mochila prontinha, do lado da porta, para me escafeder qualquer coisa. O cidadão trabalhava o dia inteiro. Ela alegava que não era tratada direito, que não recebia carinho, que tava carente, que o cara era negligente com ela. Sei lá. Nunca vi o infeliz. Só em foto. Tinha cara de nerd. Cheguei a ter pesadelo. Neura. Mas aí você me pergunta: e o cara? Não tinha lá os seus casos também quando tava supostamente trabalhando? Pode ser. Não duvido de nada. Mas acho difícil. Enfim, neura. Ela dizia que não ia largar dele. No começo era só brincadeira, mas aí fui começando a me apaixonar e me sentir, eu mesmo, o corno da situação. Coisa de novela. Coisa de falar no telefone: “nunca mais quero te ver. Some da minha vida” ou então: “larga tudo. Larga tudo agora e vem morar na bahia comigo. Te amo, porra.” Coisas assim. Nelson Rodrigues. Feio.

#blrrrpppnaminhacara

#DDD
#blrrrpppnaminhacara
você pode até achar que é paranóia minha mas eu tenho certeza que ela fazia isso pra me sacanear e me humilhar e mostrar que eu não era tão importante pra ela – vou te dizer que sou contra o camarada ficar arrotando e peidando gratuitamente e achar que é bonito – porra, a gente é adulto, não sou obrigado a ficar cheirando os teus gases, trava o cú porra! trava o cú!, você não é adulto?, ou vai dizer que anda por aí cagando nas calças também?, porque a diferença do peido pra merda é só de consistência, o processo é o mesmo. Porra! Sacanagem! Sou até tolerante uma vez ou outra quando não dá pra segurar, mas essa mina fazia questão de arrotar na minha cara como se eu fosse culpado pela sociedade patriarcal e pela face desumana do capitalismo. Ela tinha um jeito muito particular de me deixar puto, vivia me deixando puto, eu era apaixonado por ela e ainda sou, não consigo largar mas sinto ódio, é vício – isso sem contar o tarja preta, a cocaína, os cinco basecos diários, as grades de cerveja, os litros de pinga. Não quero falar disso, mas tem uma coisa que me consome e que nunca compartilhei: ela arrotava na minha cara porque não me respeitava – até hoje não me respeita – e fico revoltado com isso, revoltado. Claro que tem o tipo de coisa que rola na intimidade que é natural, um peidinho que escapa, um arroto depois do almoço, normal – isso é inclusive uma coisa linda a intimidade, acho maravilhoso, mas quando ela arrotava na minha cara não queria dizer “olha só como somos íntimos e compartilhamos tudo” mas “agora que não tem ninguém olhando eu não preciso fingir que te respeito” e blrrrppp na minha cara, porque quando ela tava com os outros era uma lady, comigo era uma matrona que mal e porcamente escovava o dente – e apesar de tudo sou apaixonado por ela

#altascrises

#DDD
#altascrises
na real nem gosto de pegar puta, fico noiado com essa porra, é um lance meio decadente, mas como sou feio e raramente alguma mulher me dá mole na balada tenho que me agilizar, só na punheta não rola, aí volta e meia acabo ligando pra essas putas de anúncio, depois me arrependo, fico com altas crises, me achando um merda, é foda. Aí eu conheci essa puta, fiz um programa com ela, fiz dois, fiz três, aí eu pensei “puta que pariu, to me apaixonando por uma puta, isso não tá certo, isso vai dar merda”, mas a gente não escolhe essas coisas, é involuntário, é uma merda, uma merda! Eu ia lá, comecei a sacar que ela também tava gostando de mim, mas como sou muito orgulhoso ficava me dizendo “caralho, é uma porra de uma puta, dez minutos depois que eu sair daqui vai entrar outro cara e depois outro cara, mulher rodada do caralho” e aí fui começando a ficar com raiva e ciúme dela. De dia no trampo começava a lembrar dela, do jeitinho, da boquinha, e pensava “que mulher, que mulher!, vou tirar da zona!” e ficava pensando em morar com ela no meu ap, pagar uma faculdade pra ela, descolar um trampo, apresentar pra família, casar, essa porra toda, mas depois eu pensava “caralho, é uma porra de uma puta maldita, já deu pra cidade inteira, por qualquer cem reais já ta liberando o rabo, uma vez puta sempre puta, é uma coisa que fica na alma, no código genético, eu é que não sou otário de botar uma porra de uma puta pra morar na minha casa” e essa parada me dilacerava e quando eu chegava pra fazer um programa com ela já vinha com dez pedras na mão, já ia tirando a roupa dela e comendo e dando uns tapas e chamando de vagabunda, até que ela começou a me cortar, a não atender meus telefonemas, foi uma merda

#porrafoideprimente

#DDD
#porrafoideprimente
completamente deprimente. Já tinha ceiado com a família aí pensei: noite de natal, com certeza vou achar alguma festa de madrugada. Imaginei que todo mundo fosse procurar alguma festa e que não ia ser difícil encontrar uma. Até sabia vagamente de uma no setor de mansões de lago norte, mas não tinha o endereço. Mas tudo bem, eu pensei, alguma coisa vai rolar. Botei a minha melhor calcinha, saí com uma roupa linda, agilizei um isoporzinho com umas latinhas de cerveja, apertei uns baseados e saí de carro. Eu e eu, animadíssima, cheia de amor pra dar, com a bolsa cheia de camisinha, querendo ver gente legal, me divertir, dançar, rir, beber, enfim. Dirigi mais de cem quilômetros. Queimei meio tanque assim, brincando. Fui e voltei de um lado pro outro. Não queria ligar pra ninguém no celular, queria dar de cara com alguma surpresa. E foi essa a festa. Desci e subi o eixo monumental, circulei o guará, atravessei todo o plano, passei pelas quadras – os botecos todos fechados – só ouvindo som, fumando maconha e - já que to sendo sincera – secando latinhas e as jogando pela janela. Entrei no lago norte e passei em alguns conjuntos aleatórios, mas nada de festa. A festa era eu e eu no meu carro. Voltei pra casa já meio trolada quando era quase de manhã, depois de andar pra lá e pra cá como uma doida. Porra, foi deprimente

#comerpipoca?

#DDD
#comerpipoca?
toda uma sociologia da pipoca e o lugar que ela ocupa no mundo globalizado, pipocas de todos os tipos, de todos os gostos, de todos os lugares do mundo. Mas o mais fascinante é o próprio fenômeno físico–químico que acontece com as moléculas de hidrogênio e oxigênio que se liequefazem, estouram e ganham aquela textura levemente crespa e irregular da pipoca. Do milho de fazer pipoca em panela, porque essas pipocas de microondas, sabor queijo, bacon, isso aí não é legal. Bom mesmo é a pipoca estourada fresquinha, da panela. Inclusive esse cara, ele fazia algumas experimentações e era um verdadeiro artista da pipoca. Estourava com alho, cebola, tempero completo, tinha dezenas de sabores. Ou ele temperava antes, ainda na panela, ou depois, com uns condimentos que ele mesmo bolava. Vendia também pipoca doce, com coco, morango, nescau e doce de leite. Troço bem feito. Não como aquelas pipocas do cinemark batizadas de manteiga derretida. Esse cara inclusive foi pipoqueiro a vida toda, numa praça no centro de BH, e ao poucos foi crescendo. Tinha uma freguesia imensa. Crianças e adultos de toda a grande BH e até do interior vinham pra comer a pipoca dele, principalmente à tardinha e aos domingos. Ficou rico assim. Não rico milionário, mas tinha casa, carro, viajava direto pra praia, era classe média. Tudo na base da pipoca. Vendia mais de 600 saquinhos por dia, tinha funcionários e vários carrinhos. Era um artesão da pipoca. Mas antes disso eu já comia pipoca desde criança. Sempre fui apaixonado. Boto o sal ali na panela, junto com um fiozinho de óleo, antes de estourar, pro gosto pegar legal. Lembro perfeitamente: sábado, dez da manhã, começava a passar Perdidos no Espaço. E eu já tinha estourado um panelão. Depois Terra de Gigantes, Viagem Ao Fundo do Mar, essas séries todas. No sábado minha mãe deixava eu ficar sem almoçar, só comendo pipoca o dia todo. Só no sábado. Era o dia mais feliz da minha infância. Durante a semana eu comia uma pipoquinha aqui, outra ali, mas era no sábado que eu me esbaldava e comia pipoca até passar mal. Mas o milho da pipoca, de certa forma, é uma metáfora. É um grão que tá grávido. É o invólucro material que envolve em seu interior a libertação de algo único – toda pipoca é única, como toda nuvem, não traz a simplicidade quase militar e uniforme da batata frita – ainda mais essas que são feitas já do purê da batata transgênica, todas idênticas, sem nenhuma personalidade. Além de toda uma sociologia, a pipoca encerra em seu núcleo misterioso também uma metafísica

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

#minhaspalavrasfavoritas

Durante muitos séculos, eflúvios foi minha palavra favorita. Era realmente incrível falar eflúvios ou escrever eflúvios em qualquer circunstância, dava uma imensionante alegria, desses frêmitos literários inesgotáveis. Mas depois me apaixonei por perímetros e todas as possibilidades engendradas por eles: raios, mapas, topografias, dimensionamentos geográficos, latitudes, livros complicadíssimos do umberto eco sobre as propriedades dos pólos eletromagnéticos.
Eflúvios e perímetros, você diria, nada que freud não explique com três lições de gramática normativa: é recorrente esse fascínio pela proparoxítona, zilhões de prozadores e atoas as dizem aos borbotões, há inclusive aquela música de um ilustre compositor brasileiro que narra a história de um bêbado que despenca de um prédio como se fosse um pássaro ou vice versa e outras variações. Gostaria de outros exemplos? Lâmpada. Relâmpago. Esdrúxulo. Não são todas palavras igualmente acachapantes?
De fato, eu diria. É justamente isso: de uma simples palavra, além de dizer alguma coisa, ter uma arquitetura. Olha, vou te dizer de outros apaixonamentos fulminantes que rolaram: anota aí, tenho pra mim que são as mais bonitas palavras já inventadas – há quem diga que se inventam sozinhas. Enfim, há controvérsias.
Os caras ficam meditando e falando OM, mas uma coisa que dá barato é meditar falando prospecção de petróleo. Faz isso. Repete prospecção de petróleo duzentas vezes e seu coeficiente de inteligência triplifica. É um bagulho que te instrumentaliza a ler dialeticamente o mundo contemporâneo, a civilização pós industrial, antiutópica, imersa em vídeo games altamente realistas e ultraviolentos, internet ilimitada vinte e quatro horas por dia, massacres, chacinas, atentados terroristas e metralhadoras por todos os lados.
Como disse o outro, viver é perigoso. Certas palavras bacanas, como granada e metralhadora, se ditas na hora exata, quando ninguém tá esperando, conferem alto grau de estilismo ao texto, porque são assustadoras. Uma coisa legal pra se dizer num momento de confraternização e alegria, por exemplo, é revolver carregado. Quando estiver numa sala cheia de gente feliz, fruindo a sublime alegria do ócio criativo, espalhe venenosamente a última novidade: há em algum lugar um revolver carregado. Depois se faça de desentendido.
Granada, revólver carregado, lixo hospitalar, ratazana, atropelamento, essas coisas devem ser ditas sempre sem segundas intenções, subterfúgios ou ironias.
Olha, sem tegivesamentos agora, é que às vezes fico exaltado: num ensaio devem ser observados certos princípios de razoabilidade, mas as próprias palavras, muitas vezes, são tão encharcadas de ideologia que provocam ânsia de vomitações involuntárias, já outras totalmente excelentes ficam restritas aos dicionários e às elucubrações de um ou outro punheteiro, não é quantificável a coisa.
Outros apaixonamentos igualmente acachapantes se multiplicaram. Depois de eflúvios e perímetro, tive uma queda fulminante pela escalafobética palavra esquistossomose, particularmente esquistossomose múltipla. Bizarro, não? Nessa época, nos eflúvios da adolescência - não resisto - fiquei francamente impressionado com a obra poética de augusto dos anjos, apologista das doenças e dos nomes de micróbios e bactérias, e pela literatura da mais prosaica divulgação científica. Assolado por frêmitos, perplexidades e esclarecimentos, por exemplo, quando leio isso (são partes de um telescópio):
Prisma, manopla de ajuste de foco e alavanca de cabeça cilíndrica.
Um aspirador de pó não é menos inspirador:
Tampa do compartimento de pó, acessório para cantos e frestas com escova integrada, filtro de exaustão, rodízio dianteiro e o sinistro e tentaculoso tubo prolongador.
Há bulas de remédio barbaramente bem escritas, que se coligidas poe joyce e compiladas por borges, fatalmente colonizariam o cânone ocidental do laureado crítico literário harold bloom. Citações tolinhas.
Uma palavra bonita é virilha. Se estamos no plano da livre associação de idéias, vou confessar que gosto dos vãos, das reentrâncias, da beleza simplória de uma axila. Cílios e cutículas, lindíssimos. Joelhos e cotovelos, brilhantes. Soberbos os lóbulos, as sobrancelhas, as miríades de apoplexia sugeridas pelo períneo suando no selim da bicicleta.
Deliro? Confesso que sou ciumento e passional com minhas palavras favoritas, às vezes causa calafrios vê-las proferidas na boca de certos filisteus e estelionatários da cultura. Neurótico obsessivo compulsivo, eu sei. Sem a menor coerência, não nego. Sou uma criança emocional com as palavras. Só quero saber se são bonitas.
O poente na espinha das tuas montanhas, diria o letrista inspirado. Recapitulando a joça, depois dos eflúvios, dos perímetros e da esquistossomose múltipla, fiquei vidrado na palavra amplificador: impressionante como a usava deliberadamente nas mais absurdas circunstâncias: “saí do filme amplificado”, “temos que amplificar as coisas” ou “a história dos amplificadores é fascinante”, e contava a lenda dos caras que inventaram os amplificadores, os cabos de guitarra, a história da eletricidade, as interfaces entre o mito do frankstein e certas bandas de heavy metal.
Ficava prolixo: era o pior pecado de um escritor: parecer demasiadamente complexo, obscuro, ambivalente, sem realmente comunicar muita coisa. Uma amiga minha, que estuda literatura, disse que na primeira aula de crítica literária a professora falou que “não estamos aqui pra estudar textos de aventura, mas sim a aventura do texto.” Muito subjetivo pro meu gosto. Até porque adoro aventuras de pirata.
Já vi dois seres humanos dotados de inteligência e discernimento discordarem diametralmente sobre algum assunto. Um texto, por exemplo. “Achei ilegível” diz um. “Pois me despertou mil calafrios” replica o outro. Essa mesma amiga, por sinal, tem um gosto musical sofisticado, curte roling stones, caetano veloso, algumas coisas psicodélicas e uns roquezinhos independentes, e depois de tomar três chiboquinhas confessa que adora calypso, tecnobrega, luis caldas, os piores dos piores da lambada, os mais sórdidos e pornográficos batidões cariocas. “O funk carioca toca nas melhores casa da Europa” ela diz. Mas quem disse que as pessoas são inteligentes na europa?
Você pega um poeta como manoel de barros, por exemplo.
Eflúvios, perímetros e esquistossomose múltipla, eu dizia.