segunda-feira, 1 de agosto de 2011

#minhaspalavrasfavoritas

Durante muitos séculos, eflúvios foi minha palavra favorita. Era realmente incrível falar eflúvios ou escrever eflúvios em qualquer circunstância, dava uma imensionante alegria, desses frêmitos literários inesgotáveis. Mas depois me apaixonei por perímetros e todas as possibilidades engendradas por eles: raios, mapas, topografias, dimensionamentos geográficos, latitudes, livros complicadíssimos do umberto eco sobre as propriedades dos pólos eletromagnéticos.
Eflúvios e perímetros, você diria, nada que freud não explique com três lições de gramática normativa: é recorrente esse fascínio pela proparoxítona, zilhões de prozadores e atoas as dizem aos borbotões, há inclusive aquela música de um ilustre compositor brasileiro que narra a história de um bêbado que despenca de um prédio como se fosse um pássaro ou vice versa e outras variações. Gostaria de outros exemplos? Lâmpada. Relâmpago. Esdrúxulo. Não são todas palavras igualmente acachapantes?
De fato, eu diria. É justamente isso: de uma simples palavra, além de dizer alguma coisa, ter uma arquitetura. Olha, vou te dizer de outros apaixonamentos fulminantes que rolaram: anota aí, tenho pra mim que são as mais bonitas palavras já inventadas – há quem diga que se inventam sozinhas. Enfim, há controvérsias.
Os caras ficam meditando e falando OM, mas uma coisa que dá barato é meditar falando prospecção de petróleo. Faz isso. Repete prospecção de petróleo duzentas vezes e seu coeficiente de inteligência triplifica. É um bagulho que te instrumentaliza a ler dialeticamente o mundo contemporâneo, a civilização pós industrial, antiutópica, imersa em vídeo games altamente realistas e ultraviolentos, internet ilimitada vinte e quatro horas por dia, massacres, chacinas, atentados terroristas e metralhadoras por todos os lados.
Como disse o outro, viver é perigoso. Certas palavras bacanas, como granada e metralhadora, se ditas na hora exata, quando ninguém tá esperando, conferem alto grau de estilismo ao texto, porque são assustadoras. Uma coisa legal pra se dizer num momento de confraternização e alegria, por exemplo, é revolver carregado. Quando estiver numa sala cheia de gente feliz, fruindo a sublime alegria do ócio criativo, espalhe venenosamente a última novidade: há em algum lugar um revolver carregado. Depois se faça de desentendido.
Granada, revólver carregado, lixo hospitalar, ratazana, atropelamento, essas coisas devem ser ditas sempre sem segundas intenções, subterfúgios ou ironias.
Olha, sem tegivesamentos agora, é que às vezes fico exaltado: num ensaio devem ser observados certos princípios de razoabilidade, mas as próprias palavras, muitas vezes, são tão encharcadas de ideologia que provocam ânsia de vomitações involuntárias, já outras totalmente excelentes ficam restritas aos dicionários e às elucubrações de um ou outro punheteiro, não é quantificável a coisa.
Outros apaixonamentos igualmente acachapantes se multiplicaram. Depois de eflúvios e perímetro, tive uma queda fulminante pela escalafobética palavra esquistossomose, particularmente esquistossomose múltipla. Bizarro, não? Nessa época, nos eflúvios da adolescência - não resisto - fiquei francamente impressionado com a obra poética de augusto dos anjos, apologista das doenças e dos nomes de micróbios e bactérias, e pela literatura da mais prosaica divulgação científica. Assolado por frêmitos, perplexidades e esclarecimentos, por exemplo, quando leio isso (são partes de um telescópio):
Prisma, manopla de ajuste de foco e alavanca de cabeça cilíndrica.
Um aspirador de pó não é menos inspirador:
Tampa do compartimento de pó, acessório para cantos e frestas com escova integrada, filtro de exaustão, rodízio dianteiro e o sinistro e tentaculoso tubo prolongador.
Há bulas de remédio barbaramente bem escritas, que se coligidas poe joyce e compiladas por borges, fatalmente colonizariam o cânone ocidental do laureado crítico literário harold bloom. Citações tolinhas.
Uma palavra bonita é virilha. Se estamos no plano da livre associação de idéias, vou confessar que gosto dos vãos, das reentrâncias, da beleza simplória de uma axila. Cílios e cutículas, lindíssimos. Joelhos e cotovelos, brilhantes. Soberbos os lóbulos, as sobrancelhas, as miríades de apoplexia sugeridas pelo períneo suando no selim da bicicleta.
Deliro? Confesso que sou ciumento e passional com minhas palavras favoritas, às vezes causa calafrios vê-las proferidas na boca de certos filisteus e estelionatários da cultura. Neurótico obsessivo compulsivo, eu sei. Sem a menor coerência, não nego. Sou uma criança emocional com as palavras. Só quero saber se são bonitas.
O poente na espinha das tuas montanhas, diria o letrista inspirado. Recapitulando a joça, depois dos eflúvios, dos perímetros e da esquistossomose múltipla, fiquei vidrado na palavra amplificador: impressionante como a usava deliberadamente nas mais absurdas circunstâncias: “saí do filme amplificado”, “temos que amplificar as coisas” ou “a história dos amplificadores é fascinante”, e contava a lenda dos caras que inventaram os amplificadores, os cabos de guitarra, a história da eletricidade, as interfaces entre o mito do frankstein e certas bandas de heavy metal.
Ficava prolixo: era o pior pecado de um escritor: parecer demasiadamente complexo, obscuro, ambivalente, sem realmente comunicar muita coisa. Uma amiga minha, que estuda literatura, disse que na primeira aula de crítica literária a professora falou que “não estamos aqui pra estudar textos de aventura, mas sim a aventura do texto.” Muito subjetivo pro meu gosto. Até porque adoro aventuras de pirata.
Já vi dois seres humanos dotados de inteligência e discernimento discordarem diametralmente sobre algum assunto. Um texto, por exemplo. “Achei ilegível” diz um. “Pois me despertou mil calafrios” replica o outro. Essa mesma amiga, por sinal, tem um gosto musical sofisticado, curte roling stones, caetano veloso, algumas coisas psicodélicas e uns roquezinhos independentes, e depois de tomar três chiboquinhas confessa que adora calypso, tecnobrega, luis caldas, os piores dos piores da lambada, os mais sórdidos e pornográficos batidões cariocas. “O funk carioca toca nas melhores casa da Europa” ela diz. Mas quem disse que as pessoas são inteligentes na europa?
Você pega um poeta como manoel de barros, por exemplo.
Eflúvios, perímetros e esquistossomose múltipla, eu dizia.

Um comentário:

  1. fico com vórtice,glândula pineal, alabastro, clitóris, nêmesis, fractal, tesseract, ochtahedron, knowledge, counsciousness, fornication.

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