terça-feira, 24 de setembro de 2013

#incomensuravelmentemaravilhosoatelevisao





#DDD


#incomensuravelmentemaravilhosoatelevisao


É tão incomensuravelmente maravilhoso, um troço tão estratosférico, tão além de todos os limites estéticos já imaginados ou sonhados por qualquer ser humano, que amigo, vou te contar, dou graças a deus que exista a televisão. São dez e meia da noite e daqui a pouco a mulher morango vai entrar numa banheira cheia de chantilly para segurar um sujeito de torax de ferro enquanto ele cata moranguinhos escondidos na gosma de açúcar – sacou o uso deliberado da metalinguagem, a referência sutil à Wittgenstein? Não pense que é teoria da conspiração quando dizem que o mainstream da intelligentsia brasileira faz televisão enquanto os antropólogos, os articulistas e os cientistas políticos fazem merda. Merda todos fazem – quando um brasileiro mija, todos mijam, não é isso? – mas há os iludidos. Minha passagem será breve por este planeta e não vou perder tempo lendo as cinqüenta mil laudas de Dostoievsky ou assistindo uma árvore crescer num filme iraniano. Mil vezes me embasbacar com o olhar mefistofélico de um Gugu que canta, reza, dança e sapateia com o Padre Marcelo Rossi, bendiz a glória do senhor, ergue as mãos pro céu como crente fervoroso que é para logo depois anunciar o desfile de gostosas seminuas e na seqüência te oferecer um baita desinfetante – eu agarantio, sempre compro – e chamar os comerciais. Essa fragorosa publicidade que é escola de gente do naipe de um Fernando Meirelles ou um David Fincher. Falando em gostosas seminuas – é disso que falam oitenta e nove por cento do tempo, sinal claríssimo do bom gosto e discernimento – foi no próprio Superpop – que me garante pelas letrinhas embaixo da tela que ta quase chegando hora de ver a mulher moranguinho se lambuzar de chantilly – que há pouco passou um desfile de lingerie apresentado por Ronaldo Esper e ciceroneado pela sempre elegante Luciana Gimenez – e te pergunto, leitor, você já viu, sabe quem é esse cara? Sabe que o grau do potencial dramático e expressividade comunicacional dessa mistura barroca e Bela Lugosi na fase mais sombria e espectral do expressionismo alemão com algo de Silvio Santos meio Frankstein doido de ácido e uma pitada de Caubi Peixoto em pleno transe epilético? O homem tem uma presença de palco marcante e aterradora, é o tipo de homem que se vê e diz: ah, raça humana, você sempre se superando, sempre produzindo um exemplar mais extravagante que o outro. Tenho como qualquer um minhas fantasias escatológicas e apocalíticas, não seria nada mau uma bomba atômica pra dar um safanão nessa raça suja e maldita de vez em quando, mas puta que pariu, aí morriam junto a mulher melancia, a mulher abacate, a mulher samambaia – jesus misericordioso. O universo sempre foi injusto e não sou eu que vou mudar o rumo das coisas, posso no máximo sentar o dedo no controle remoto e mudar de canal pra zapear pelos Mutantes na Record – quem precisa de Jung ou Neil Gaiman? – pelo Curtindo a Noite com Otávio Mesquita, pelo sofá da Hebe, pela Tela Quente, pela – arrrrrrrrrgh – programação da tv cultura com gente de terno e gravata discutindo “o que é o Brasil e a brasilidade?” enquanto o pau ta comendo lá fora – enfim, sou senhor e mestre do meu destino e engulo a porcaria que quiser na medida em que bem entender porque esse é um país livre onde vigora a liberdade de expressão e de pensamento. Deliro quando o Datena diz que bandido tem que ir pro paredão porque tem mesmo, porra!, ou eles tão achando que vão entrar e roubar minha televisão e alegar justiça social? Tem que botar os reaça pra se esgoelar na televisão senão a bandidagem acha que é festa na floresta. Mas falando na mulher Samambaia outro dia vi uma reportagem muito bem feitinha e bem editada no TV Fama – apresentado por Íris Stefanelli e Nelson Rubens – que mostrava esse doce de coco com caramelo simplesmente andado de bicicleta de um lado pro outro ao som do hit Selim dos Raimundos – “eu queria ser o banquinho da bicicleta pra ficar bem no meio das pernas e sentir o seu ânus suar....” E a vanguarda cinematográfica francesa achando que tava fazendo “poesia visual” quando filmava os cavalos selvagens do Magreb. Rá! Faz me rir. E não é por nada mas essa Íris ta com um corpão.

Deve haver algum critério pra contratarem esse fulaninhos que saem da faculdade de comunicação e vão para a tv fazer happenings e entrevistas nos eventos de celebridades, supostamente o “timing”, a capacidade de ser engraçadinhos e espirituosos. Saem na van da emissora o/a repórter engraçadinho, o cinegrafista e o cara que segura o microfone. Eles circulam pelos eventos mais badalados e conversam com fulanos e cicranas do show bizz sobre as frivolidades dessa vida bandida e o que se lê no subtexto, nas entrelinhas e no inconsciente do contexto diegético é mais ou menos tipo “olha olha, por aqui a gostosa do momento, como é que vai esse rabão?”, “balançando de um lado pro outro como uma potranca em convulsão, é isso aí”, “e no carnaval desse ano?, vai mostrar as pregas pra galera ou vai ficar regulando o olho de tandera?”, “balançando de um lado pro o outro como uma potranca em convulsão, é isso aí”, “e a balada? tomando todas?”, “e isso aí, uhhuuuuuuuuuuuu!”, ou então algo como “diga aí gostosão, ta na novela mostrando esse espetáculo da natureza pro Brasil todo, hein?”, “sou foda, o meu lance é horário nobre”, “passando a vara em geral lá no Projac ou a patroa fica de miguelença com a caralhada do maridão?”, “sabe como é, meu lance é ficar sorrindo e mostrando os dentes, que são brancos e perfeitos”, “to vendo aqui o tamanho do seu maxilar, realmente imperioso”, “e podem até achar que é viadagem mas tomo banho de lama polinésia pra desobstruir as bactérias invisíveis que comem as raízes capilares”, “e qual seria assim sua filosofia de vida?”, “basicamente considerar o universo um ponto eqüidistante entre o nada e o absoluto e me arrebatar na grandiloqüência da nossa insignificância perante a vastidão incompreensível”, mas eis que sou violentamente fustigado pela notícia: é agora. Luciana Gimenez chama a mulher moranguinho, que está só de biquíni. Vai começar a prova de caça aos morangos. Massa. Abro uma skol gelada e me espraio no sofá.


“Mermão, aconteceu uma coisa cabulosíssima, sei que você não vai acreditar mas juro por deus e por todas as coisas sagradas do mundo que aconteceu de verdade”, “qual foi?”, “ontem à noite eu tava todo espraiado do sofá assistindo o meu Superpop e então chegou a hora de a Mulher Moranguinho entrar na piscina pra impedir o cara de pegar os morangos e...”, “hã?”, “e eu tava esperando ansioso pra ver a parada, você sabe como sou curioso e eles já tavam anunciando desde cedo que ia rolar esse esquema e eu tinha acabado de abrir uma latinha de Skol e aí de repente, olha só, escuta isso... de repente PÁ, brancão, apaguei”, “hã?”, “sabe uns anos atrás quando teve aquela história do desenho japonês que deixava a molecada catatônica?, acho que era por causa do excesso de luz, uma porra dessa, lembra?, então, aconteceu exatamente a mesma coisa, quando a Mulher Moranguinho entrou na banheira e começou a pegação VRAAAAP, BUM, BAN, CATAPLUM, brancão, só fui acordar hoje de manhã babando no sofá, aí pensei: essa porra ta errada, não ta certo esse troço, aí entrei no Youtube e digitei: Mulher Moranguinho banheira Superpop e já tinham botado lá o vídeo e assim que dei o play: PÁ, brancão de novo, acredita?”, “mentira”, “juro pra você que é verdade, olha lá que é...”

Você tá lendo muito david foster wallace

#naoescrevonaoescrevo





#naoescrevonaoescrevo


Porque o momento de escrever é o mais puro, o mais importante: lá ta toda a sua pureza, vaidade e exibicionismo. É como você tirar sua alma e pendurar no varal no meio da multidão. Quando a pessoa escreve uma lista de compras ou deixa um bilhete tipo “fui na padaria” ela tá fazendo uma coisa mística, tenho certeza disso. E o pior é que não escrevo nada há mais de um ano, to naquela porra daquela fase de bloqueio criativo. Depois daquele último conto que você leu não escrevi mais nada, lembra há quanto tempo foi isso? É talvez porque eu tenha entrado numa espiral tão desconcertante de mutação e auto desconhecimento que tudo o que escrevo no segundo seguinte já não faz mais sentido, as coisas mudam depressa demais. Se sentasse pra escrever hoje meus temas seriam: a asfixia e a ejaculação precoce. O sono picotado, a taquicardia. O pulmão carcomido. Tenho vinte e cinco anos e fumo duas carteiras de cigarro por dia desde os quinze anos. Mas aí eu fico pensando: por exemplo eu tava lá lendo o garcia marquez e refletindo: como é que o cara me consegue escrever uma porra de uma saga de trocentas gerações com mil e setecentos personagens durante quatrocentas páginas mantendo um único estilo? Eu já escrevi como philip toth, como kerouac, como o próprio garcia marquez e até como eu mesmo o eu mesmo sendo a antropofagia desses caras todos e mais uma fagulha que vem de dentro e é totalmente imprevisível e aleatória. Beleza. Não tenho nem quero ter um estilo até os quarenta, um estilo a gente não pode aprender cedo, tem que atirar pra todos os lados até acertar em alguma coisa que valha a pena. Acho que perdi o ritmo, que nunca mais vou voltar a escrever, eu sento e não consigo, não consigo, tudo que eu penso eu despenso um segundo depois, é só descontinuidade, eu sou a cobaia do stuart hall, a prova que o pós modernismo deu certo, eu não tenho pátria nem família nem religião nem ideologia nem time e nem certeza de nada, e ainda tem o revival do brega, ainda tem a britney spears, a indústria cultural chinesa, e tem a internet, e os escritores que publicam na internet além dos escritores que publicam livros, setecentos milhões por anos, no mundo inteiro, livros que fazem referência a outros livros, é muita coisa pra minha cabeça, não entendo nada e apesar de tudo sou um intelectual e um cara letrado, leio mais que a maioria – mas sinceramente eu sou um escritor que vale a pena ser lido, eu leria as coisas que escrevo?, é a pergunta que me faço e aí não escrevo, não escrevo

#nuncaviumvelhotaofeliz






#nuncaviumvelhotaofeliz

Os caras tavam mocados na delegacia da cidadezinha, mas a população gritava: lincha, lincha!, mata, mata! Não lembro exatamente qual foi a barbaridade que fizeram. Eram três bandidos. Acho que entraram numa casa, mataram a família inteira, criança no meio, torturaram, cortaram uns pedaços fora, tocaram fogo, tomaram todo uísque da casa e antes de matar estupraram as mulheres. Algo do tipo. Uma barbaridade bem escrota. No dia seguinte foram pegos pela polícia estadual num sitiozinho acendendo charuto em nota de cem, que nem filme americano. Acho que em circunstâncias normais a polícia já teria apagado os caras ali mesmo, mas já tinha chegado imprensa na cidade, por isso seguraram a onda. De modo que levaram os elementos pra delegacia, mas veio gente de todos os municípios vizinhos pra linchar e fazer justiça. A praça foi ficando lotada. Até que invadiram – não houve lá muita resistência - e os levaram pro centro da praça. Foi tudo filmado. Os linchadores faziam pose na frente da câmera, orgulhosos. Esfolaram os três, quebraram todos os ossos, mas não mataram. Ficou só uma massa de carne, um em cima do outro. Ai veio o grande final. Um velhinho – bem velhinho mesmo, devia ter uns noventa anos, mal conseguia andar – veio se arrastando, devagarzinho, com um litro de querosene na mão. Não conseguia nem levantar o galão e tiveram que ajudá-lo. Depois, tremendo, riscou o fósforo e tacou fogo em cima deles. Nunca vi um velho tão feliz. De repente ele começou a querer dançar. E ria, e ria!, achando uma graça imensa na fogueira