sexta-feira, 1 de novembro de 2013

#Samanta, 1


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Quando minha mãe perguntava porque afinal eu queria botar silicone no peito, respondia que era pra ficar gostosa, a pura verdade. Não que eu já não fosse uma baita gostosa. Nasci com um belo par de coxas. Grossas, firmes, duas belas lapas de carne que vão dar num quadril largo. Do umbigo pra baixo, já vim ao mundo perfeita. Não é toda mulher que tem perna grossa assim. Sou rabuda por natureza. Sempre tive um orgulho enorme da minha bunda e não foram poucas as vezes que a esfreguei no pau duro de um cara, deixando ele sentir aquele latifúndio de carne indo e voltando, rebolando na vara dura.

Era verdade, eu queria ficar mais tesuda. “Mas por que?” ela perguntava, desolada, “você já tem peitos grandes, já é gostosa, já deixa louco todo homem que te vê, pra que isso?” Por que seria? “Pra ficar mais gostosa, porra!” É simples, eu estava insatisfeita, queria mais, queria ficar maior. Era um sentimento perfeitamente compreensível! Quando eike batista ganhou o seu primeiro milhão, o que ele fez? Foi atrás do segundo, do terceiro, do centésimo. Depois que os Beatles gravaram o sargent peppers, por acaso eles sentaram e disseram “bem, revolucionamos a música pop do século vinte, melhor parar por aqui”? Não! Eles foram lá e fizeram a porra do abbey road! Depois o disco branco!Alexandre saiu da Macedônia pra dar uma voltinha pela Pérsia e chegou até a Índia. Por que? Por que esses ilustres conquistadores não se conformaram com o que eles já tinham? Por que não ficar quietinho no seu canto, devidamente realizado?

Até porque essa senhora que vem a ser a minha mãe é uma madame bem de vida, que vive de renda, extorquindo dois ex-maridos milionários. Viu? Ela casou com um milionário e, não satisfeita, depois entrou de véu e grinalda pra ser ungida pela benção do sagrado matrimônio com outro mais rico ainda (sou filha do primeiro casamento e vejo meu pai tipo copa do mundo, de quatro em quatro anos). Por acaso eu ficava perguntando pra ela “por que você casou de novo?”, como ela ficava me perturbando com a história do “por que ficar mais gostosa”? Por acaso eu abria a boca pra falar um “a” sobre o abacaxi que ela carregava pra cima e pra baixo, e que no auge da inocência chamava de “penteado”? Fazia ilações sobre seu estado semi-vegetativo de “madame”?

Até porque eu tinha vinte e cinco anos, e nunca havia trabalhado.

Eu poderia pensar em milhões de outros motivos. Mas será que só a minha vontade não era o bastante? Ela alegava que poderia “fazer mal à saúde”, e eu ria da cara dela. Por acaso ela sabia quantas mulheres andavam com silicone pra cima e pra baixo, trabalhando, amamentando, levando uma vida perfeitamente normal? Se ela dizia que eu podia me arrepender, logo replicava que silicone não é como tatuagem, silicone a gente tira na hora que quiser! É só uma meleca que eles botam dentro do nosso peito, um procedimento ultra-seguro, e vai que eu não gostasse? Vai quer ficasse feio? Eu tirava, simples assim.

E com a paciência de um monge explicava pra ela porque eu queria botar o silicone, mas é claro que a verdadeira razão não contava, nem pra ela nem pra ninguém, era um segredo meu comigo mesma, que seria revelado na hora certa. Tinha a ver com um polonês que havia conhecido em londres, seis meses antes, quando estava passando uma temporada. Ele gostava de peitões, e eu gostava dele, por isso me parecia natural que eu ficasse peituda e voltasse à londres pra procurá-lo. Já imaginava a cena na cabeça, a cara que ele faria quando visse meus dois novos melões, a reação que teria quando pegasse neles, quando esfregasse a rola no meio deles.

Se tento me lembrar agora os motivos pelos quais me apaixonei por aquela criatura, o problema não é que não pense em nada razoável, a grande merda é que não faz sentido, nenhum, zero. Não foi simplesmente irracional, foi estúpido, grosseiro, o tipo de idéia absurda que na hora parece extraordinária, mas depois se revela apenas extraordinariamente idiota. Não sei o que havia de tão excêntrico em namorar um polonês contrabandista, mas na época me parecia o paroxismo do estilo. Minhas amigas namorando funcionários do ministério público, professores universitários, gerentes de banco, e eu enrolada com um traficante polonês.

Eu o havia conhecido numa balada multicultural num subúrbio. Uma galera se drogando na sala, uns trepando nos quartos, e eu lá doidona no meio da fuzaca, achando tudo lindo. Fui na cozinha pegar uma cerveja e lá estava o miro, com uma tequila na mão, conversando com um motoqueiro careca. Na hora ele me pareceu, sei lá, tão homem. O braço grosso, sabe? O cavanhaque, o estilo meio metaleiro-perigoso-do-leste-europeu, a tatuagem que se alastrava pelo pescoço, os anéis de caveira e principalmente, mais do que tudo, uma camiseta do cream, com o Eric Clapton tocando guitarra com cara de quem está gozando e umas firulas coloridas e psicodélicas em volta dele.

Bati o olho nele, ele bateu o olho em mim. A cozinha era um pouco apertada, de modo que dei um hello e passei por ele, esfregando a grande e linda bunda que deus me deu, pra chegar até a geladeira. Juro que nesses três segundos de contato percebi que o pau dele estava duro e que me comia com os olhos. Enquanto eu delicadamente, sem pressa nenhuma, pegava a minha cerveja, fui escutando o papo que ele batia o motoqueiro. Ele dizia algo sobre peitos grandes. Sobre como adorava mulher peituda, como amava enfiar a cara no meio deles (os peitos), como delirava quando metia a rola neles, quando passava a cabeça do pau pelos mamilos. Sobre como achava excitante uma mulher com um belo par de tetas e um decote imenso, com aquela carne toda pulando pra fora.

“Eu gosto de bunda, adoro pernas (i love legs)”, lembro até hoje aquele filho da puta dizer, “mas o que me deixa louco, meu feitiche, são mesmo as tetas, grandes, lindas, tetas rosadas, com mamilos duros.” E enquanto ele dizia isso comecei a me sentir a pior das criaturas, porque eu tinha belos peitos, mas não tão grandes, não como ele estava descrevendo, e isso me enfureceu (perdão, sou irracional), e nesse segundo tive o esclarecimento de botar silicone, de caçar esse polonês de merda por todos os buracos de londres até encontrar e dizer “olha aqui, você não gosta de peitão? desse tamanho tá bom pra você?” e depois enfiar na cara dele, até sufocar.


Demorou, mas consegui convencer a velha a bancar a minha pequena extravagância. A verdade é que depois do procedimento realizado ela ficou olhando com inveja pras minhas tetas e até cogitou botar também. “Não falei como é uma coisa banal? Olha, depois de duas semanas já sumiram as cicatrizes.” Meu corpo se adaptou bem ao silicone, nenhum tipo de rejeição, de alergia. Depois de fazer a pesquisa, conversar com o cirurgião e acertar a forma de pagamento, no dia da cirurgia fiquei com um pouco de medo, um pezinho atrás. Claro que escolhi o melhor silicone do mercado. Óbvio que o profissional responsável pelo enxerto (dr. lima) era competente e reconhecido entre as madames de Brasília como o mais preparado na área, responsável pelos peitos e bundas de algumas famosas e celebridades. Mas hospital é sempre hospital, um lugarzinho que não me agrada em nada. No dia, na ante-sala do centro cirúrgico achei tudo tão limpinho, tão profissional. Uma enfermeira com uma prancheta chamou meu nome: “Samanta Silveira.” O dr. lima, todo de branco, já com máscara, brincava, tentando me acalmar: “então é hoje que a gente vai turbinar essa loiraça. Ah, se eu não fosse casado.”

Deitei. Ele falou mais algumas asneiras pra me acalmar e de repente estava me aplicando uma anestesia local. Conseguia mexer a cabeça, lembro de sentir até uma coceira na orelha. Também sentia as pernas e as mãos. Mas quando ele pegava na minha barriga, nos meus peitos, não sentia nada. Comecei a pensar se não devia ter escolhido a anestesia geral. Será que ia demorar? Plenamente consciente, vi ele pegar o bisturi e fazer a incisão perto do sovaco. Fazia isso como se estivesse cortando uma peça de picanha pro churrasco de domingo, conversando com a enfermeira sobre a agenda do dia seguinte e sobre como precisava sair mais cedo pra ver o jogo do seu time, que estava na semi-final de um campeonato. Pegou então as próteses de silicone, de trezentos mililitros cada uma. Eram gelatinosas, translúcidas, fascinantes melecas derivadas do petróleo. Cada uma parecia um enorme pão de queijo de plasma. Pensei em me arrepender, mas não deu tempo. Foi bem mais rápido e simples que imaginava. Depois da cirurgia me deram um sedativo e dormi por dez horas seguidas.

Sonhei que estava em londres, rodando pelos pubs, os estúdios de tatuagem, as confrarias de motoqueiros, os shows de rock, todos os lugares onde miro pudesse estar. Num beco da South Bank, um sujeito disse que o conhecia e que me diria onde estava, desde que eu fizesse uma coisinha rápida ali no beco. Eu tinha acabado de botar o silicone, mas já estava tão adaptada a ele que no próprio sonho já era peituda. “Fazer o que?” perguntei, “esfregar o meu peito na sua rola?” “Também” ele disse, “mas depois quero que você chupe ela toda até tomar todo meu suco de porra, fazendo cara de quero-mais.” Abri a zíper dele e peguei a rola. Fiquei de joelho, tirei os peitos do vestido e comecei a esfregar. Abocanhei e chupei como uma desesperada, até que ele começou a gozar na minha boca. Nessa hora percebi que havia uns trinta homens no beco, todos com os paus pra fora, todos vindo pra cima de mim. Eu tinha uma rola em cada mão, duas na boca, e de repente todos estavam me comendo, dezenas de caralhos pra cima de mim, e então uma chuva imensa de porra, milhões de litro de esperma no meu corpo, na minha cara, na minha boca, toda lambuzada e melecada. Depois estava jogada no beco. Vinham uns cachorros e começavam a lamber toda a porra que espalhada nos meus peitos. Era gostoso. A língua deles nos meus mamilos, as belas lambidas na barriga, na xoxota e no corpo inteiro. Será que esse tesão todo era por causa do silicone? Será que era alguma espécie de afrodisíaco? Sim, porque nesse dia acordei com a calcinha encharcada! Gozei como uma condenada enquanto dormia. Fiquei morrendo de vergonha quando acordei e estava todo mundo no quarto: mãe, irmão, tia, enfermeira, o diabo.

Fui ao banheiro trocar de calcinha, ainda com uns fiapos de sonho despencando. Sabia que depois da orgia com os trinta homens e com os cachorros estava deitada na sarjeta, suja e largada, quando miro passava e me resgatava. Como um cavalheiro perguntava se eu estava bem, se precisava de ajuda, mas enquanto dizia isso não conseguia tirar os olhos dos meus peitos. Era como se olhasse a Pedra Filosofal dos Mestres Tibetanos ou o Graal Metafísico dos Templários. Com a boca aberta, babando, começava a apalpá-los. “São tão macios”, ele dizia. “Tão grandes, tão...”

“São pra você” respondia sorrindo.

Duas semanas depois, voltei ao dr. lima pra tirar os pontos. Depois de um período de recolhimento, estava pronta. Duas semanas de repouso, muitos discos de rock – inglês - e algumas doses de marguerita. Foi rápido e não doeu nada. Finalmente saí com duas amigas pra um samba no calaf. Percebi que os vestidinhos que antes batiam no meio da coxa subiam dois ou três centímetros, porque agora seguravam mais volume lá em cima. Dancei bêbada no meio da bagunça, jogando os cabelos de um lado pro outro, fazendo cara de vagaba. Peguei um negão e fui dar um amasso com ele lá atrás. Ele pegava na minha bunda, nos peitos, enchia as mãos de carne, apertava, mordia. Doía. Era bom. Fiquei de joelhos e tirei o caralho dele pra fora. Era imenso, um dos maiores já que já tinha visto na vida, com uma cabeça vermelha imensa. Enfiei tudo na boca.

Em casa ficava horas me olhando na frente do espelho, experimentando todas as roupas, os vestidos, as blusas, os terninhos, e todos serviam perfeitamente, parecia que já tinha nascido com aquele corpo. Agora sim meu peito era proporcional à minha bunda, agora eu era uma gostosa mesmo, agora os homens ficariam ainda mais loucos pensando em mim, bateriam punheta pensando no meu corpo, no meu rego, na minha lapa de bunda empinada de quatro.

Agora meu próximo objetivo era convencer à velha a bancar minha aventura em londres, o que não seria fácil.

“Só a porra da passagem que eu me viro lá!”

“Igual da última vez? Quando você passou três meses estourando o meu cartão de crédito, gastando só com noitadas e bebedeiras?”

“Eu trabalhei num bar!”

“Samanta, você acha que dinheiro nasce em árvore?”

Ah meu deus, eram sempre as mesmas metaforazinhas baratas, frases feitas que deve ter aprendido a macaquear na era mesosóica! “Você acha que dinheiro nasce em árvore?” “Você quer que eu tire vinte mil reais da cartola, é isso?” ou quando mais exaltada “você por acaso acha que eu cago dinheiro?”

O que mais me revoltava era essa situação de “classe média alta”, de gente que quer mas não pode, mil vezes antes ser uma favelada, uma pobre duma empregada doméstica que passa os dias lavando as cuecas e fritando os bifes dos outros, ser uma maldita empacotadeira no pão de açúcar e contar os centavos pra pegar o ônibus de volta pra casa e comprar um saco de feijão pra alimentar quinze filhos com lombriga e hanseníase, não me incomodaria nada nada de ser uma puta barata e cobrar cinqüenta reais por um boquete em algum estacionamento da asa norte e beber a porra dos velhos broxas do plano piloto entupidos de viagra, ou quem sabe apenas uma “classe média média”, uma infeliz de uma professora primária ou uma funcionária pública que guarda “as sobras” na poupança pra pagar o IPVA do carro e viajar nas férias pro guarujá, ficar fritando ao sol comendo camarões secos e tomando caipirinha, quiçá uma “acadêmica” que passa vinte anos da vida fazendo mestrado, doutorado e pós-doutorado em literatura aplicada pra ser a autora de uma tese sobre a “morte da autoria na contemporaneidade”, qualquer merda por mais sórdida e medíocre era mais autêntica do que essa farsa constrangedora que era pertencer à quase elite, ser quase rica, morar numa casa alugada no lago norte, dirigir o carro do ano passado, comprar roupas de marca durante as liquidações, se acotovelando na loja com duzentas quase ricas histéricas e se jogando em cima do último modelo da melissa como se fosse A Última Coca Cola do Deserto, como tudo isso era hediondo, me embrulhava o estômago, me deixava puta da vida. Eu que só queria passar uns meses em londres, será que era pedir demais que ela pensasse um segundo que fosse sobre minhas realizações espirituais e existenciais, será que era tão difícil entender que brasília era uma cidade provinciana e que se passasse só mais um ano aqui morreria de tédio? Será que não percebia que eu era o exato tipo de pessoa desequilibrada que poderia fazer uma loucura tipo cometer suicídio ou me viciar em crack pra encher esse vazio dentro da minha alma e do meu estômago?

“Por que londres? Por que você não vai passar uns tempos em são paulo com a sua prima juliana? Por que não faz uma faculdade ou arruma um emprego lá se tudo aqui é tão horrível?”

“Claro, vou dividir uma quitinete com aquela crente maluca que só fala de jesus e vou virar atendente de telemarketing, que destino formidável!”

Mas, como? Em que língua explicar praquela criatura a força magnética que me arrastava pra inglaterra? Qual seria a probabilidade de ela tolerar os meus motivos mais inconfessáveis, que por sinal até eu mal compreendia? Afinal, tinha chegado àquela idéia através de uma espécie de sonho profético.

No início, havia -

“Samanta, já falei mil vezes pra não fumar dentro de casa!”

Ah, bruaca velha insuportável! Sempre atrapalhando meus devaneios!

No início, havia um planeta habitado por aborígines, eslavos, astecas e tribos africanas que viviam num silêncio torturante, remoendo a grande catástrofe da condição humana, só ocasionalmente quebrado pelo rufar trepidante de tambores celebrando os deuses da discórdia e da incompreensão, até que os celtas imolaram um animal inocente e com suas vísceras fizeram a primeira lira, a mais pura, a mais delicada, e um semi-deus chamado orfeu – nas escrituras ortodoxas também chamado de eric clapton – foi e ficou olhando embasbacado praquele engenho extraordinário e se masturbando, até que esporrou sobre as vastas planícies de xangrilá o semem sagrado que fertilizou o solo ao som estrondoso de while my guitar gently weeps, hino atemporal dos onanistas. Um gigante furioso que estava adormecido nas cavernas do tibet desde que a última lua tinha caído sobre a terra, seis mil anos atrás, se revoltou contra atitude tão blasfema e egoísta, no que estou com ele: “Mortal, descabelaste o palhaço e derramaste sobre a terra o líquido vil do teu narcisismo, por isso teus descendentes serão trovadores solitários que espalharão pelo mundo a mensagem de que a existência é finita, gratuita e destituída de sentido, e que ninguém se redime de nada.” Miséria e discórdia grassaram entre os povos da ilha, separada do continente por um mar envenenado, e só vinte e nove séculos depois nasceu um novo profeta pra celebrar A Autonomia da Criatura Perante O Criador. Seu nome era syd barret, e esse sujeito corroído pelo ácido e pela cocaína foi o mais legítimo dos poetas ingleses, descendente direto dos aedos gregos que recitavam homero e similares. Ele ungiu a terra com suas lágrimas e contou piadas sujas na corte do rei arthur com os cavaleiros da tavola redonda, psicografou ataques histéricos de mitra nas brumas de avalon entre bruxas ninfomaníacas, acompanhou charles darwin no seu passeio pelo oceano índico fazendo observações espirituosas sobre tartaguras, golfinhos e salamandras, e colonizou os sete continentes. Ah, Inglaterra!, berço da democracia moderna e terra de jeff beck e jimmy page! Esqueci de falar que os maias, no décimo terceiro dia da criação, tinham previsto em seu calendário a invenção de um instrumento capaz de subjugar a humanidade nessa confluência astral, e não a bomba atômica ou o big mac, simplesmente a guitarra elétrica.

Contava essa lenda que um menino pelado e cabeludo chamado david gilmor passeava pelos jardins do paraíso, que por sinal fica entre a Byfleet a Waybridge, e olhava distraídos as nuvens e os transeuntes quando deu de cara, na vitrine de uma loja de instrumento musicais, com uma guitarra elétrica, e esse menino safadinho já pensou sacanagem, porque ela tinha a forma de mulher, com o quadril e os peitos e aquela silhueta e aquela curva toda, e aquele braço longo, elegante, que a gente podia pegar, passar o dedo, brincar, fazer gemer, e nesse dia a história ocidental passou por uma revolução cultural e metafísica que não se compara às descobertas de copérnico, à teoria da relatividade de einstein, à toda a dramaturgia grega, que faz parecerem irrelevantes as páginas mais heróicas e encharcadas de sangue das conquistas de Alexandre, Aníbal, Napoleão e Beethovem, e então esse garoto levado chamou outros meninos levados e fizeram um brincadeira chamada pink floyd e passaram a vender como discos rock coisas que na verdade eram orações subterrâneas, hinos à deuses perigosos e inacessíveis, evocações de entidades altamente inflamáveis como o deus da cólera, do tesão e da loucura. No verão de 65, david gilmor e syd barret estavam sentados, chapados de maconha, olhando o horizonte na esquina setentrional daquela ilha mágica. Era pleno solstício, e raios de sol encharcados de santidade banhavam esses dois seres iluminados.

Enquanto isso -

“Você fala que vai fazer curso de inglês, mas chega lá e nem dá as caras! E o pior é que eu, a burra aqui, paga tudo! E fica bebendo e fumando que nem uma louca, nada de emprego, nada de estudo, nada de porra nenhuma, você tem que acordar pra vida, Samanta, vinte e cinco anos e não terminou uma faculdade, não trabalhou em nada, fica o dia tomando banho de piscina e ouvindo música...”

“Caralho, eu já disse que vou estudar, vou fazer curso de cinema, de teatro, vou trabalhar de garçonete, quem sabe eu arrumo até um marido e você não precisa sustentar mais essa parasita, dá outra vez eu não trabalhei – quer dizer, trabalhei sim DUAS SEMANAS num pub – porque tava deslumbrada, maravilhada com tudo, mas agora vai ser diferente, a nina já falou que me arruma um...”

“Que é nina, porra?”

Era uma amiga brasileira que trabalhava num sex shop, super empenada na cocaína -

“Mãe, eu dividi um apartamento com ela, você não escuta nada que eu falo! Ela trabalha na ONU como tradutora, fala seis línguas, já me disse que me arruma um emprego lá! Me diz se não é melhor aprender outras línguas do que ficar aqui decorando lei pra passar em concurso de tribunal, pelo amor de deus, pensa! Vou lá me reciclar, fazer curso de edição de vídeo, de web desing, conhecer gente que trabalha na ONU, na UNESCO, no Banco Mundial, na União Européia, na BBC, porra! Mãe, me empresta esse dinheiro e não me faz jogar minha vida pela privada apodrecendo nessa cidade que eu detesto!”

“Samanta, você detesta até -

Enquanto isso a terra ardia. Fez-se uma grande confraria dos mestres da guitarra elétrica. Todos eles: syd barret, jeff beck, david gilmor, george harrison, jimmy page, keith richards e ercic clapton. Todos ergueram seus grandes caralhos pro céu e invocaram a divindade mais antiga, aquela que tinha feito da primeira lira um objeto transcendente e incompreensível. Tinham poderes pra aniquilar o mundo setecentas vezes, mas queriam apenas ser astros do rock, lindos, incompreendidos, charmosos, niilistas, malditos, drogados, proféticos, geniais. E assim azmodeu – pois era esse seu nome – abençoou a guitarra elétrica.

Mas azmodeu era ciumento, e queria só pra ele as enzimas proteolíticas produzidas na próstata de jhon lennon

“Não sei o que faço com você, Samanta!”

“Me despacha, porra! Me manda pra londres! Paga a minha passagem e me dá qualquer mil dólares que eu me viro!”

Claro que ambas sabíamos que provavelmente eu não arrumaria emprego nenhum e que ela teria que me sustentar, já que não ia deixar a própria filha definhar de fome do outro lado do oceano atlântico.

E azmodeu, enquanto me olhava no espelho - de frente, de perfil, de decote, de biquíni, de sutiã, pelada – dizia:

“Tenho que admitir, Samanta, que você é uma gostosa. Esse é um conceito relativo e os sábios de alexandria e os semióticos da sorbone poderiam passar vinte séculos filosofando sobre o que é e o que não é uma gostosa, aquela tem mais peito, essa tem bunda, a outra mais quadril, e tem a falsa-magra, a gordelícia, mas você é um caso raro de consenso. Não há celerado sobre a terra que não diga: gostosa. Já tinha tudo pra ser, mas com esses peitos - ”

“Não ficaram exagerados?”

“Não, e acredite na minha honestidade. Suas coxas são pilastras gregas, sua bunda uma escultura de michelangelo, mas com esses peitos novos todo o conjunto ganhou outro senso de harmonia, de proporção, de profundidade, agora as curvas do seu corpo tem coerência e leveza – leveza, sim. São peitos grandes – alguns diriam imensos – mas que são leves, porque você é leve, é uma pluma de pureza e serenidade, só o que você quer é uma vida tranqüila e um belo jato de esperma toda noite na sua cara, no seu útero, na sua pele. Posso ser sincero? Não bastasse você ser despretensiosa, bonita, simpática, uma companhia tão agradável, tão eu diria até erudita – sim, porque além de ter lido james joyce e baudelaire, você fala com propriedade dos discos de rock dos anos sessenta e setenta – os melhores, afinal – com uma naturalidade tão acachapante - ”

“É, né?”

“E sabia que eu acho poético e coerente e um pouco irônico você, que é uma mulher antenada e contemporânea, cínica a respeito das conquistas maravilhosas da civilização industrial, mas ao mesmo tempo conformada as suas conseqüências irreversíveis, você que tem cento e quinze por cento de sangue inglês, que é um excremento e uma obra-prima do capitalismo, você botar uma prótese de silicone derivada de petróleo no peito pra ficar mais gostosa, turbinada, curvilínea, aerodinâmica, uma deidade em mutação que incendeia o mundo com seus cabelos loiros e platinados ao som de black dog. Ah, Rainha do Aconcágua, Fênix de Ônix da Antuérpia, você estala e as placas tectônicas se movem, os fósseis que há milhões de anos apodrecem no leito dos oceanos vibram quando você balança as tetas.”

“É, né?”

“Sei de alguém que vai pirar e dar cambalhotas quando vir essas duas montanhas cheias de fertilidade.”

E assim fui.

Cheguei em londres num dia ensolarado. Era azmodeu me dando as boas vindas.

Sempre quis morar naquela cidade, e os três meses que havia passado no ano anterior só serviram pra me dar ainda mais vontade, mais tesão de viver lá. Minha mentezinha colonizada não parava um minuto de se embasbacar com as maravilhas e as grandiloqüências daquela metrópole.

Os pubs escuros onde se tocava musica de qualidade, os shows de rock, os personagens que a gente encontrava na rua, a maconha de qualidade, maconha hidropônica, skank, haxixie, completamente diferente daquela merda paraguaia que a gente fuma no brasil, a cerveja mais encorpada, mais gente interessante nas festas, mais vontade de cavalgar numa piroca inglesa ou numa num legítimo caralho polonês.





2

Onde estaria miro? Onde encontrá-lo?

Na primeira noite lá tive um sonho estranho. Eu morava numa grande casa com miro. Uma mansão, com jardim, piscina, quadra de tênis e pomar com flores e frutas coloridas. Estava coberta de alegria. Uma inexplicável sensação de entrega, arrebatamento, de saber que a felicidade existe e está viva, na nossa frente, uma felicidade radiante, violenta, meu deus, eu era feliz, e havia um bom motivo pra isso: miro também me amava. Desde o princípio, desde o primeiro dia em que bati os olhos nele e ele bateu os dele em mim, naquele inferninho no subúrbio, ao som de um bom e velho heavy metal, um heavy metal legítimo como não se faz hoje em dia. Morávamos juntos nessa linda casa. Mas o estranho era isso: eu estava vestida de coelhinha da playboy. No armário, trezentos trajes iguaizinhos: a cinta liga, o colarinho, as orelhas de coelhinho. Sinceramente não entendia como os homens haviam sexualizado logo os pobres dos coelhos. Era um mamífero, ok, até aí a analogia faz sentido. Mas por que não faziam por exemplo As Cavalas ou As Cachorras da Playboy? De todas as babaquices que os homens já me falaram, tem uma que eu gosto mais. Namorava com um guitarrista de uma banda bem ruizinha, que tocava cover do u2 e do jota quest, às vezes rolava um constrangimento, mas ele era bom de cama e tinha uma porra doce - era vegetariano. Ele tinha me dito, depois de ter cavalgado duas horas: “Samanta, você é uma cavala!” Foi um elogio tão gostoso! Os cavalos são tão altivos, tão elegantes, tão nobres! Adoro cavalos, adoro! Fico fascinada. Adoro montar, é uma sensação gostosa, massageia a boceta. Mas aí eu estava casada com ele. E só tinha os modelitos da playboy. Era dona de casa. Ele trabalhava em wall strett, mas morava naquele lugar que era o nosso lar, um lugar totalmente remoto, desconhecido, só meu e dele. O bonitão do miro sempre de terno. Chega em nossa casa cansado. Deita no sofá, liga a televisão e toma uma dose de uísque. Diz que a bolsa caiu cem pontos, que está estafado. Eu boto um disco na vitrola. É um bom e velho rock. Ele diz, saudoso: “Ah, adoro essa música.”

De repente percebo que estou faminta. Miro tira a rola para fora e se masturba, vendo pornografia na televisão. Eu assisto, revoltava. Era pra essa porra ser minha. Quando está prestes a gozar, pega uma tigelinha que estava em cima do sofá, uma dessas tigelinhas em que dão comida pra gatos e cachorros, e goza nela toda, ejacula meio litro de porra, depois deixa a tigelinha num canto e vou beber, de quatro. Percebo que todo dia é a mesma coisa. Ele chega em casa e bota minha janta na tigela. Mas por que não dentro de mim? Por que não me engravida? Tento conversar com ele, mas não consigo, não saem as porras das palavras, tudo trava na garganta. Só consigo miar. Sou uma coelhinha que mia. Esse sonho tá uma merda, quero acabar com isso, começou a excitante mas agora tá uma bosta, mas o sonho não acabava. Estava cansada da viagem e dormi por horas. Mais de dez horas. Quando achava que o sonho estava terminando, começava de novo: miro chegava do trabalho ao entardecer, se masturbava vendo pornografia e gozava na tigelinha. Eu implorava pra ele me dar na boca, mas ele não dava, estava me torturando. O pior é que quanto mais porra eu bebia, mais eu queria. Mas ele não me amava mais. Amava as estrelas da pornografia. Miro não é um homem de muitos conhecimentos – fora traficar haxixe do oriente médio pra europa – mas de pornografia entendia tudo. Freqüentava os sites das atrizes. Era apaixonado por várias delas. Tinha posters pendurados no quarto. Uma vez encontrou sasha grey num pub e trocou duas palavras com ela. Foi seu assunto por mais de dez anos. Nas rodas, se conversava sobre a taxa de juros, a culinária tailandesa, a lingüística deleuziana, o show do pink floyd em pompéia, e ele pedia silêncio, fazia um suspense e contava: “Encontrei sasha grey num pub. Sabe, um desses milhares de pubs de londres, com o balcão, o barril cerveja, as mesas de madeira espalhadas. Juro que a princípio nem a reconheci. Sabe a sasha grey, avatar da indústria pornográfica, pin-up escatológica e seviciada” – meu deus, de onde ele tirava essas merdas? – “do século vinte e três? Não é linda? É o que sempre digo, acabou a era das atrizes pornôs feias. Agora são todas lindas, algumas até intelectuais, mulheres emancipadas e limpinhas que, não se enganem, cuidam super bem da higiene e da saúde. Sabia que investir em pornografia é a forma mais óbvia de ganhar dinheiro?”

Eu odiava tudo que ele falava, mas suportava, porque o amava. Era uma coelhinha conformada. Só me dá seu leitinho, eu dizia, senão morro de fome, senão vou definhar e ficar magrinha, magrinha. E você quer que eu fique gostosa. E ele dizia: cala a boca, Samanta. E eu dizia: calo, mas só me dá mais um pouquinho de porra, juro que tomo todo o leitinho e vou dormir, mas se quiser pode me acordar que não me importo, pode me bater inclusive, não que me espancar? E ele dizia: me poupe, Samanta, tem coisa mais interessante pra fazer do que ficar dando porrada na sua boca. E eu: mas você pode usar um martelo, quebrar meus dentes, serrar minhas pernas. E ele: vai encher o saco de outro, Samanta, se enxerga, e assim por diante, um sonho maldito, maldito, que quero esquecer pra sempre.


A idéia era ficar por uns tempos na casa de nina, a que trabalhava num sex shop e cheirava cocaína. O que eu mais queria era sair pra procurar o miro, mas primeiro fui almoçar com ela.

“Todo tipo de rola. Fina, grossa, média, encorpada, cabeçuda, torta, gigante, de trinta centímetros, quarenta, rola com duas cabeças, rola estilo taco-de-beisebol, rola sintética de plástico, de vinil, de alumínio, rola elétrica, rola de borracha, rola com material que simula a carne humana, rola comestível de chocolate, geléia, rola com recheio de marshmalow, rola de todo o tipo, e xota também, uma xoxotas igualzinho xoxota de verdade, incrível, com cabelinho e tudo, e as pessoas que vão lá comprar não são casais discretos e receosos, viados cheios de dedos, não, entra lá família, pessoal do trabalho, até padre entra e fica olhando e ninguém fala nada, aqui não tem nada a ver com o brasil, a putaria ta em todo lugar, e tem as coleções de filmes pornôs, mil sessões, mil categorias, sexo anal, grupal, gang-bang, strep-tease, tem a sessão bundas-grandes, magrinhas, obesas, asiáticas, africanas, interacial, brinquedos, consolos, lesbianismo, ménage, coprofilia, hipoxifilia, feitiche com a boca, as orelhas, as virilhas, sexo com comida, sexo com porcaria, gente se mijando e se cagando e vomitando, simulações de estupro, estupros pseudo-reais, filmes de sexo com anões, com aleijados, albinos, pessoas com gigantismo, filmes de sexo com animais, com porcos, cachorros, cavalos, suruba de pessoas e animais, filmes de sexo em lugares públicos, gente fudendo nos pontos turísticos do mundo inteiro, esses são os que acho melhores, a galera trepando meio dia, na hora que ta passando um monte de gente, na frente do palácio da rainha, do big beng, da torre eifel, do kremlim, da casa branca, na muralha da china, além de gente se comendo no meio da selva, caindo de pára-quedas, fazendo mergulho submarino, gente trepando no trabalho, trocentos vídeos caseiros de gente trepando no elevador, no carro, na festinha de aniversário, no tribunal no meio de um julgamento, durante uma missa – juro! -, filmes pornôs evangélicos, pornografia judaica, hindu, muçulmana, vídeos de celebridades trepando, atrizes de holywood, políticos, alunos se comendo na sala de aula, professor comendo aluno, tudo de verdade, e tem os óleos, os cremes, vaselinas, manteigas especiais pra comer o cuzinho e ficar chupando, sem colesterol, calcinha comestível, lengerie de todas as marcas, dos melhores costureiros, sapatos de salto, cinta-ligas, roupa de coelhinha, de enfermeira, colegial, bombeiro, encanador, mecânico, afrodisíacos, especiarias do oriente e da áfrica que juram que faz subir o pinto, a gente tem uma parceria com uma produtora de eventos ligados ao universo da pornografia e volta e meia rolam uns eventos.... Samanta, você botou silicone no peito?”

A egolatra só repara agora.

“Botei.”

“Quanto?”

“Trezentos mililitros em cada.”

“Nossa, tão lindos!”

“É, né?”

“Parece que já nasceu com eles.”

“É, me falaram.”

“Mas aí essa empresa de eventos, eles fazem umas surubas, gerenciam umas casas de suingue, de troca-de -casais, fui uma vez e é caríssimo, cobram quinze libras numa cerveja,”

“Nina, você lembra do miro?”

“Miro?”

“É, um polonês. Que tava naquela festa na Blackmore Street, daquela amiga da sua outra amiga, lembra?”

“Um que tem uma tatuagem do ac/dc no braço?”

“É! Sabe alguma coisa dele?”

“Não. Mas essa amiga do miro, a carol (kérrwol), ela foi uma vez na loja e disse: quero comprar uma coisa legal pro meu namorado. Aí - ”


Nada daquilo me interessava. Achava um saco esse papo de pornografia. Quando miro fosse meu marido, não deixaria ele ver esse filmes. Não mesmo. Falta de educação, de respeito, falta de consideração, caralho. Vou ser sua esposa, seu polonês de merda, e comigo a coisa vai funcionar do meu jeito, vai ver pornografia na casa do caralho, ficar batendo punheta pra essas putas malditas, essas vacas que ficam arregaçando o cu na frente da câmera, você é um pai-de-família e se dê o respeito, não é por moralismo nem por nada, você sabe muito bem que sou satanista, mas a família é sagrada, a gente é uma coisa única e mística, nossa família, eu, você e nossos filhos, e sua porra o senhor trate de guardar que é só minha, quero tudo na minha boca e no meu rabo e na minha boceta, o senhor ta proibido de bater punheta, ah, tá achando que sou louca?, você não viu nada, se te pegar batendo punheta por aí corto o seu saco, pego as bolas e enfio no teu rabo, meu deus, já to tendo uma crise conjugal e ainda nem achei a pobre da criatura, olha essa cidade, Samanta, ah que ponte bonitinha, que soldados engraçados, uma volta pelo centro e pelo palácio, ó, o big beng, pombas sujas na praça como em todo lugar do mundo, a quem eu to enganando?, vou procurar e achar essa porra desse polonês agora.


Não foi tão difícil. Londres é uma cidade com dez milhões de pessoas, mas eu sou obstinada e estou no cio.

Foi no terceiro dia. Nesse meio tempo agilizei uns assuntos de ordem prática e comprei meu celular internacional, comprei umas roupas e uns vestidinhos lindos, todos decotados, joguei minha roupas velhas no lixo, fiz uma cópia da chave da casa da nina, etc etc. Na tarde do dia em que o encontrei fui até a embaixada da polônia, que era linda. Me deixaram zanzar lá dentro. Vi quadros de arte polonesa. Peguei uns panfletos, enfiei na bolsa e li todos, sentada num banquinho do Doninghton Park, comendo meu lanchinho de peixe com batata, na inglaterra como os ingleses, afinal. Pelo pouco que fiquei sabendo era um país fascinante. Era uma nova república, que tentava se recuperar dos anos de chumbo quando não passava de um satélite soviético. Seu relevo era quase todo de terras baixas, com duas cadeias montanhosas, os carpatos e os sudetos. Os rios mais importantes: vístula, oder e wadra. Clima suave e temperado, embora nos verões as grandes tempestades fossem freqüentes. Grande produtora de batata e beterraba. Dezesseis províncias. Faz fronteira com alemanha, republica tcheca, bielorussia, eslováquia, ucrânia e lituânia. Banhada pelo mar báltico. Forte na fabricação de aço e construção naval. Mineração: gás natural, carvão, cobre, ouro, prata e enxofre. Indústria: maquinas elétricas, automóveis, química, alimentos e bebida. Renda per capita: média de quinze mil dólares. Mais ou menos quarenta milhões de pessoas. Capital: varsóvia. Entre os polacos mais famosos destacam-se o astrônomo copérnico, o compositor chopin, os cineastas romam polansky e krzysztof kieslowsi – ah, daquela trilogia chatíssima! – e o papa joão paulo segundo.


Mas foi lendo um pouco sobre a história da polônia que comecei a me sentir enojada, revoltava, e larguei de lado o lanche. Impossível comer diante de tais atrocidades. Quando deus espalhou as tribos sobre a terra, fez questão de ser cruel com os polacos. Pobre polacos, açoitados, violentados, estraçalhados ao longo da história, um destino tão sinistro pra um povo tão trabalhador e inventivo, uma baita duma sacanagem. A polônia era o jó bíblico transfigurado em forma de país. Gerações e gerações de pessoas esmagadas pelo jugo dos impérios, um joguete nos planos dos imperadores e dos piores conquistadores. O povo polaco, puro como era, ou como eu supunha que fosse, suportou com estoicismo e abnegação todas essas invasões. A polônia é como uma virgem pelada no meio de um garimpo. Um pintinho no preso numa jaula com leões famintos. Porta de entrada na europa pra todas as levas de bárbaros que vem das estepes asiáticas. Sucumbiu aos mongóis, guerreiros ferozes, impiedosos, que se divertiam chacinando mulheres, velhos e crianças. Sucumbiu também aos suecos. Mais pedrada. Sempre foi saco de pancada dos russos. Quando os nobres da russia czarista estavam entediados, o que eles faziam? Invadiam a polônia. Mais sarrafo. Milhões de pessoas massacradas por capricho. A mãe russia, com seu delírio de grandeza, sempre escolhia a polônia e seus vizinhos – mas sempre e mais especificamente a polônia – pra descer o sarrafo. Quando napoleão, devidamente ungido pelos altos e belos ideais da revolução francesa, decidiu levar a boa-nova ao leste europeu, qual foi o primeiro país escolhido? A polônia. Mais cacetada. Mais sangue, guerra, destruição, famílias destroçadas, órfãos, viúvas, viúvos, pobre polacos perdidos, sem nada a não ser a grande família polonesa. Acham que foi só isso? A pior parte vem agora. Hitler era um sujeito com umas idéias excêntricas, tipo exterminar populações inteiras, e quando resolveu botar em prática o saudável passatempo, qual foi o povo que escolheu primeiro? Os pobres dos poloneses. Antes de querer acabar com os judeus, os negros, os ciganos, antes de qualquer coisa, a primeira e mais obvia coisa a se fazer era retalhar a polônia e os poloneses. As piores atrocidades da guerra aconteceram lá. Se os polonses estavam liquidados, imagine então os judeus poloneses. Não sei foi minha tpm, se um pico de hormônio, ou se o fato, aliás provável, de eu estar perdidamente apaixonada por um polonês, se um distúrbio da digestão do peixe com batatas, junto com minha aclimatação ao fuso horário europeu, mas o fato é que chorei lendo sobre a historia do gueto de varsóvia, claro que já tinha ouvido falar a respeito nas aulas de história do colégio, mas era como se então estivessem falando de massacres em vênus ou numa lua de júpiter, até porque se você for ficar toda melindrada com cada massacre que citam nas aulas de história provavelmente ficaria catatônica antes da quinta serie, mas naquela hora, sentada naquele banquinho do d. park, li com sofreguidão a história do gueto onde houve um levante de judeus durante a segunda guerra, e fiquei chocada com a violência com que foram massacrados, mais sarrafo, mais sarrafo, poloneses sendo executados no meio da rua, poloneses servindo de alvo pra nazistas entediados que ficavam treinando a mira dos fuzis atirando nos pobre dos poloneses que passavam na rua, poloneses executados ao acaso, por capricho, de brincadeira. E antes fosse só isso. Quando o exército russo marchou sobre as hordas nazistas, onde foi que estacionou pra tomar um lanchinho? Na polônia. E tome mais massacre de poloneses. A polônia foi um satélite da união soviética por décadas. E sempre sofreu: teve seus intelectuais mortos, exilados ou desaparecidos, seu povo vigiado pelo sistema de espionagem do partido comunista.

Lendo, descobri um pouco mais sobre a origem desse povo tão nobre que agora, sem duvida, eu amava incondicionalmente. No inicio de tudo, havia uma gota de pureza. Como a gota de esperma de miro, que me faria definitivamente parte da grande família polonesa. Foi no século X, quando subiu ao poder a dinastia Piast. As inúmeras tribos que viviam por ali – silesianos, vistulianos, pomeranos e mazovianos, entre outros – resolveram por de lado as diferenças e imaginar a construção de algo maior, imaterial, platônico e inquebrantável: a polônia. Perceberam que só unidos poderiam continuar existindo enquanto raça, povo, etnia, país: o surgimento da polônia era prova de maturidade espiritual e política. O nome polônia – que vem de polska – tem origem na tribo dos polanos, que significa “pessoas que cultivam a terra”, derivado de pole, que significa “campo.” Apesar de produzir navios, papas, compositores e cineastas, a polonia é antes de qualquer coisa um país de vocação agrária, uma terra de gente simples, humilde, correta, ligada umbilicalmente àquele torrão de terra, aquele lugar do mundo, o lugar dos polacos, apesar de cobiçado por todos. E a união da grande polônia, como dizia o panfleto, ocorreu portanto no século X, sob benção de um rei: seu nome era Mieszko. Mieszko. Um nome lindo, que me pareceu evocar qualidade felinas. Sim, reparando bem a gente percebia como os poloneses eram bonitos e elegantes. Todos os povos da europa tinham lá suas qualidades, mas no leste é que ficavam os mais bonitos. O porte do leste europeu. A beleza iridescente dos eslavos, croatas, sérvios, russos e, principalmente, polacos. As mulheres particularmente, por mais que me doesse admitir, e que já me despertasse pontadas lancinantes de ciúmes, será que miro tinha uma namorada que o esperava na polônia?, melhor nem pensar nessas coisas. Nunca tinha parado pra reparar, mas era verdade: nos filmes, nos desfiles de moda, sempre que aparecia uma mulher do leste europeu, a gente já via a diferença, mulheres longilíneas, altas, de pescoços grandes, brancos e suculentos, pernas imensas, leitosas, narizes desenhados à mão pelos deuses da simetria, olhos profundos e magnéticos, como eram bonitas as filhas da puta, será que miro ia reparar numa pobre de uma brasileira?, se bem que eu era peituda, e meu peito era a coisa mais linda do mundo, e ele não era idiota, ou pelo menos eu esperava que não. Mas o fato é que comecei a imaginar como seria aquele primeiro rei da polônia, o patriarca da raça, o lendário Mieszko I. No ano sagrado de 966 ele casou-se com a princesa checa Sobrawa e aceitou o batismo. Começa então a cristianização e latinização da polônia. Desde então, ela passou a ter uma alma, uma identidade, uma impressão digital. Recebendo influências de todos os lados, do oriente médio, da ásia, no epicentro do mundo. Os poloneses, tão cosmopolitas, não deixaram nunca de saber exatamente quem eram e quais suas origens: elas remontavam a Mieszko. Todo polonês o tinha no sangue, no dna, todos eram de certa forma nobres: os nobres poloneses, como eu os amava, como ansiava me tornar um deles. Miro carregava dentro de si uma gota do sangue de Mieszko. Era também um nobre. Agora eu via tudo com uma clareza absoluta. O povo polonês sobreviveu por eras e eras sendo massacrado, pisado e humilhado. Mas sobreviveu, e por um bom motivo. Haveria uma nova dinastia, e eu seria a princesa Sobrawa do século XXI, unindo o sangue polonês ao sangue brasileiro.

Como sempre, vi tudo isso numa espécie de sonho-delírio-devaneio. Estava entardecendo, depois de ler os panfletos, ouvindo música – led – no fone de ouvido, querendo cochilar, vendo as pessoas que andavam de um lado pro outro, os casais, as crianças. Como era bom estar em londres. Começou a esfriar. Tirei meu casaco da bolsa e vesti. Que quentinho. Imaginei miro me abraçando. Vi sua tatuagem do ac/dc. Era uma tatuagem linda, que fazia referência a uma banda boa e simples, como ele.

Eu o vi chegando. Vinha colonizar o continente americano através do meu útero. Com sua pica imensa, seu esperma sagrado que remontava ao grande rei Mieszko, ele abria minhas pernas e me encharcava de sêmen polaco. Milhões e milhões de almas reencarnadas e desencarnadas entravam no meu corpo, os espíritos dos gigantes que habitavam a polônia, deuses, arquétipos, heróis, um carrilhão de almas, gerações e gerações, séculos e mais séculos de história, milênios. A polônia, tantas vezes invadida, agora me invadia: eu era sua hospedeira. Eu era o passarinho que leva a semente de um continente para o outro, a grande matriarca da nova família polaco-brasileira. Como seríamos lindos. Minha família. Meu marido, meus filhos, uma penca, polaquinhos tropicais. Sim, teríamos uma casa linda, linda. Já imaginava tudo. Seria num balneário paradisíaco, como angra, perto da casa de famosos, poderosos e milionários. Sim, teríamos o nosso iate, nosso jatinho, nossa cobertura em copacabana pras noites que fôssemos esticar no rio, mas seríamos gente simples, honesta, despretensiosa. Miro trabalharia na bolsa de valores, seria um verdadeiro gênio das finanças, prestaria consultorias pra daniel dantas e eike batista sobre como, onde e quando aplicar o dinheiro. Ele próprio ganharia rios de dinheiro, mas isso seria um detalhe, porque a grande riqueza da vida de miro seria sua esposa, sua mulher, eu, euzinha, eu eu eu. É tão bom se sentir amada. Mesmo depois de trinta anos de casados, continuaríamos como um casal de namorados adolescentes. Miro nunca perderia o tesão. Seríamos aqueles casais que se amam pra sempre, cada vez mais, mais mais! Miro! Me dá um beijo! E ele daria. Me come! E ele comeria. Me bota de quatro e me chama de cavala! E ele me botaria de quatro e diria, babando freneticamente sobre o meu quadril: Samanta, sua cavalona, vou enfiar meu vergalho polonês dentro de você agora! E eu diria: mete, mete! Goza em mim, me cobre de porra! e ele me cobriria de porra. Veja bem, ele seria um marido compreensivo e paciente. Faria tudo por mim. Me acordaria todos os dias com beijos no corpo todo. De manhazinha, quando o sol começasse a entrar pela ampla janela do nosso quarto, que daria pro oceano atlântico, de onde volta-e-meia veríamos baleias passando, ele lamberia a sola dos meus pés, beijaria minha bunda, minhas costas, minha nuca. Quando estivéssemos tomando café da manha, eu de camisola, faminta, preparando um suco de laranja, ele já de terno, banho tomado, pronto pra sair pro escritório, me olharia e, fascinado, diria: Samanta, mesmo depois de trinta anos de casado, não consigo deixar de me impressionar com o quanto você é incomensuravelmente gostosa, como os seus peitos são extraordinários, como fica linda com o cabelo desarrumado, a camisola, e nesse momento me tocaria e começaríamos a nos beijar de novo, mas aí apareceriam nossos filhos, todos os sete, ou oito, ou nove, e começaria a gritaria lá em casa, meus polaquinhos, e a alegria seria tanta, tanta.


Naquela noite, rodei sozinha pelas ruas de londres. Sabia que o encontraria. Já tinha acontecido outras vezes, é um talento que tenho, penso que vou encontrar uma pessoa e acaba acontecendo. Nina tinha me dito que na região de East London havia muitos bares freqüentados por checos e poloneses. Na verdade era uma região de imigrantes onde tinha de tudo: argelinos, camaroneses, afegãos e muitos turcos, mas também uma considerável comunidade polaca. Descobri qual era o bar da moda, o mais cheio de madrugada, e fui até lá sozinha. Linda.

Bota e jaqueta de couro, micro-vestido, meia-calça, maquiagem entre o roxo e o vermelho sangue. Londres é uma cidade de muitos espelhos. Sempre que passava na frente de um, me olhava de relance: ajeitava o decote, dava uma conferida no rímel, jogava os cabelos pro lado, fazia biquinho. De modo que entrei nesse barzinho da moda me achando linda, maravilhosa, estratosférica. Sentei no balcão e pedi um drink. Sozinha. Sentia os olhares no meu corpo. Os homens comentando, nossa, olha só aquela gostosa, olha que quadril, olha que peitos. Um alemão bonitinho veio me oferecer uma bebida. Conversei cinco minutos com ele e o dispensei, sempre simpática, alegando que estava esperando alguém. Quem?, ele perguntou. Meu marido, eu disse. Marido? É, meu marido. Deve estar chegando. Seu nome é miro. É polonês. Conhece? Miro? Não. Mas foi um prazer te conhecer.

Duas da manhã, o vi entrar pela porta. Vestia uma jaqueta de couro preta e estava com o cabelo bem maior, até os ombros, cabelos revoltosos, ondulados, de poeta incompreendido, como um rimbaud ou um beethovem. Juro que ele me viu na hora. Nossos olhares se cruzaram instantaneamente. Ele passou em uma mesa, cumprimentou umas pessoas – seus amigos, que logo seriam meus amigos também – e sentou-se no balcão ao meu lado. Por uns bons dois minutos não falamos nada, mas dava pra sentir o ar ficando carregado de tesão, testosterona, estrogênio, magnetismo, eletricidade, telepatia. Sua pele era áspera, dura. A cara angulosa. Muitos pelos. Barba por fazer, no limite da displicência. Como era lindo. As mãos com que segurava o copo de cerveja eram firmes e numa delas havia uma cicatriz que ia do dedão até o punho. Mesmo naquele lugar fechado, com dezenas de pessoas comendo, bebendo e suando, eu senti o cheiro dele, um cheiro de homem, de virilha, de pinto, de saco. O saco dele devia ser lindo. Eu pegaria naquele saco como se fosse O Camafeu Perdido de Zanzibar. Faria cócegas e botaria na boca cada testículo, mordendo um pouquinho, lambendo um pouquinho, fazendo pressão pra que o sêmen se revoltasse lá dentro e chacoalhasse e se multiplicasse. Como foi que começamos a conversar? Foi ele perguntando o que tinha no meu drink? Ou qual era o nome da musica que estava tocando? Ou fui eu que casualmente pedi que ele passasse o canudinho ou o guardanapo? Era tão natural que a gente começasse a conversar, tão óbvio, que essa primeira fase de abordagem e reconhecimento nunca existiu. De repente estávamos conversando sobre os imigrantes africanos, a guerra da bósnia, as jazidas de lithium do afeganistão, os melhores discos do led zepelin, os solos mais antológicos do ac/dc, a tatuagem que ele tinha do ac/dc, o ex-presidiário russo que tinha feito a tatuagem nele, as lembranças hilárias que isso despertava, os bairros de londres, as novas bandas de rock inglês que, na opinião dele, a qual julguei sensata, estavam em franca decadência, e mais um milhão de coisas, e em algum ponto da conversa eu disse que era brasileira e ele: sério?, não parece, você quase não tem sotaque, podia jurar que era uma inglesa ou no máximo uma irlandesa, mas reparando bem havia um sotaquezinho lá no fundo, um sotaque fascinante, e eu: fascinante, como assim? E ele: fascinante, difícil explicar, mas definitivamente fascinante. E assim como começamos a conversar como se a conversa já estivesse se desenrolando há oitenta e nove milênios, de repente estávamos nos beijando sofregamente, beijos molhados, suculentos, eu enfiava minha língua na boca dele, lambia a cara dele, pegava no pau dele, e ele disse no meu ouvido: vamos ali fora, tem um beco pertinho: e eu: vamos vamos vamos.

Fomos de mãos dadas até um beco há dois quarteirões de distância, um beco escuro, úmido, com cheiro de lixo. Mas não importava. Tudo o que sentia era o cheiro dele, que me encostou na parede e enfiou de novo a língua na minha boca, apertou a minha bunda, quadril, as coxas, mas principalmente os peitos, ele pegou, apertou, olhou, babou em cima deles, tirou pra fora do decote e começou a lambê-los, a morder os mamilos, e cada mordida me arrepiava por dentro, e ele dizia: que peitos enormes, Samanta,, como são lindos, grandes, redondos, olha só isso, e eu dizia: eu sei, são pra você, eu te amo, disse desse jeito: eu te amo! Eu te amo! E peguei de jeito no pau dele, enchi a mão, amassei os testículos, abri o zíper, cuspi na não e o masturbei com calma, sem pressa, indo e voltando, fazendo carinho na cabeça, e disse: quer enfiar sua rola entre os meus peitos? Quer que eu chupe ela toda e beba todo a sua porra polonesa? E ele: quero, quero! E foi o que fiz, chupei o filho-da-puta com gosto, depois me virei e sarrei bunda nele, tirei a calcinha e levantei o vestido, nessa hora ele tirou do bolso uma camisinha e quando estava abrindo o pacotinho eu tirei da mão dele e joguei longe e disse: não precisa, vou ser a sua esposa e a mãe dos seus filhos, me enche de porra, me engravida, e ele deu um sorriso meio descrente, meio pensando que-porra-de-doida-é-essa, mas eu não estava doida e sim apaixonada, perdidamente louca de amor abrindo todos os poros do meu corpo pra ele, se você tiver alguma doença, eu disse, eu quero pegar a mesma doença e morrer abraçada contigo, quero definhar e apodrecer contigo, mas sei que você não tem nada – na verdade eu não exatamente verbalizava essas coisas, era mais um carrilhão sôfrego e desconexo de gemidos – porque você descende do grande rei Mieszto I que fundou a polônia e tem no seu sangue a realeza dos grandes da europa, sua porra incandescente vai fecundar o meu corpo, você acha que estou brincando? Acha que estou abrindo meu útero de brincadeira? e nessa hora comecei a apertá-lo, a arranhá-lo, a mordê-lo, e disse: mete! Mete a sua vara polonesa dentro de mim! E ele meteu, uma rola grossa, cabeçuda, cheia de veias, eu com as mãos apoiadas na parede do beco, ele metendo e babando, gemendo, delirando, as tetas balançando, as pernas tremendo, meu deus, acho que vou gozar.





3

Em duas semanas estava morando com ele no quartinho que alugava na Leyton Street. Limpei o lugar, fiz uma bela faxina, decorei tudo do meu jeito, botei quadros de arte contemporânea, flores, comprei pratos e talheres novos. Entrei na vida de miro disposta a não sair nunca mais. Meu homem. Eu fazia questão de satisfazê-lo toda hora, de todo jeito, pra que percebesse como eu era uma mulher incrível e pra que nunca nunca jamais me abandonasse. Todos os dias de manhã eu o acordava com um belo boquete. Lambia todo o saco, botava as bolas na boca, chupava, cuspia, chupava e lambia toda a extensão da rola, a cabeça, até deixá-lo bem excitado e depois montava nele, e nessas horas era dominada por uma força tão sobrenatural e avassaladora que gritava em português coisas que ele não entendia, impropérios e vaticínios como “mete seu polonês filho da puta, enfia esse caralho na minha xoxota brasileira, me encharca de porra seu filho de uma puta, quero ver você me arrebentar por dentro e me deixar em frangalhos, ta vendo essas tetas imensas aqui?, são suas, ta vendo esse rabo aqui?, é seu, tá vendo essas coxas?, tudo seu, tudo seu,” e às vezes ele perguntava em inglês “what the fuck?”, mas depois se acostumou e começou a gemer e a gritar em polonês e era vlotistok pra cá, roskanof pra lá, e os dois berrando, cada um na sua língua, ambos delirando, e ele gozava dentro de mim, tremia todo e desfalecia, mas eu continuava com ele dentro por uns bons dez minutos, dizia fica aqui dentro de mim, fica, não tira não, e depois a gente tomava um café da manhã e eu começava de novo a boliná-lo, na verdade estava toda hora encontrando um jeitinho de pegar na rola dele e enfiar as mãos dentro da calça dele, no cinema, num banco de parque, eu botava alguma coisa como um lenço ou um jornal no colo dele, ia passeando com a mão e segurava o caralho, apertava o saco, cheguei a masturbá-lo no ônibus, no táxi, na casa de amigos enquanto víamos um filme, nas festas eu fazia questão de arrastá-lo pro banheiro e dar uma rapidinha, e de noite em casa montava e gozava uma, duas, três, quatro, cinco vezes, e então ele não agüentava mais, estava com a rola esfacelada, mas ainda assim eu pegava nela e o masturbava uma última vez, às vezes saía só uma mísera gotinha, mas era o suficiente pra mim, e eu bebia, sempre passava a porra dele pela cara, pelos peitos, ficava toda melecada, era uma porra grossa, diferente. Já provei muitos tipos de porra na vida, mas a do miro era especial, era um sêmen espesso, com um cheiro forte, um sêmen com identidade. Não como a porra rala de uns fulanos magrinhos que já conheci, não como a porra azeda dos alcoólatras, não como a porra sem cheiro, sem gosto e sem personalidade dos burocratas, tampouco como a porra meio amarelada dos cocainômanos, não, era uma porra diferente, que eu não cansava de querer. Me dá mais. Não foram poucas as vezes em que disse pra mim: Samanta, acabamos de transar cinco vezes seguidas, não agüento, não adianta, não sobe mais, acabaram-se minhas forças, e eu ia até a cozinha e preparava uma bela canja de galinha ou um sanduíche de filé e dava pra ele comer e depois pegava na rola dele e ela ficava meia-bomba, mas pra mim era o bastante, eu queria exauri-lo, e de repente já era de manhã, tínhamos passado a noite toda trepando, e ele saía pra trabalhar e eu ficava em casa esperando, quando chegava já o recebia com um beijo longo, molhado e suculento, sentava no colo dele, sarrava nele, provocava, e então lá estava ela de novo, a sua linda pica polonesa grande e grossa apontando pro céu e eu enfiava ela dentro de mim de novo e gritava de novo me arrebenta!, me arrebenta!

Mas em pouco tempo fui possuída por um ciúme patológico.

O problema começou com nina. Depois de me mudar da casa dela pra de miro, continuei a vê-la e saíamos peruando por aí de vez em quando pra tomar um chope, fazer compras, ir ao cinema ou simplesmente zanzar pelas ruas de londres. Às vezes encontrávamos uns amigos dela e íamos nuns shows de rock, quase sempre shows horríveis, às vezes miro nos encontrava nessas noitadas e às vezes não, o dia-a-dia dele era completamente imprevisível porque, como fui descobrindo aos poucos, traficar haxixe pra europa não era tão simples quanto parecia e exigia que o atravessador – ele – estivesse sempre à disposição, sempre pronto pra ir até o cais subornar alguém, viajar até Plymouth pra pegar um embrulho com um fulano assim-assado, ir até os inferninhos de Laidon Street e assim por diante, no começo essas indas e vindas misteriosas me pareceram excitantes, como se ele fosse personagem de um filme de espionagem, mas depois fui ficando irritada, pois ele nunca tinha tempo pra mim. E teve um dia em que fomos todos a um pub, um pub infecto que servia um chope horroroso, e nesse dia ele foi até o balcão, pegou dois drinks e veio trazendo muito serelepe até a nossa mesa, atravessou toda a extensão da porra do lugar com um drink em cada mão e quando chegou, adivinha?, deu um dos drinks pra nina, desse jeito, disse “toma, é seu”, e ela “thank you”, a vaca, a dissimulada, e ainda por cima deu um sorrisinho de puta mostrando aqueles dentes amarelos e podres de cheiradora, e miro sorriu de volta e disse “de nada, disponha.”

Fiquei insana. Tomei dois chopes, três margueritas e cinco doses de tequila. Quando ele veio passar o braço em volta do meu ombro como se nada tivesse acontecido comecei a soltar os cachorros, gritei como uma alucinada constrangendo todo mundo dizendo coisas como vai passar a mão nela seu polonês filho da puta, falava meio em português e meio em inglês, consumida que estava pelo ódio, pelo ciúme e pela tequila. Olhava pra nina como se quisesse fuzilá-la. Ela me chamou pra conversar num canto e disse o que é isso Samanta, que chilique é esse, só porque o pobre do miro pegou um drink pra mim, eu que tinha pedido, qual o problema?, e eu qual o problema?, o problema é que você é uma vaca puta galinha cachorra asquerosa maldita. E ela: ah, sou?, e foi ficando valente porque já tinha cheirado umas carreiras no banheiro, eu te dou um teto, te boto na minha casa e é assim que você retribui?, e eu: pra começar que aquilo não é uma casa e sim um chiqueiro e depois que você é uma porra de uma drogada que só pensa em furar o olho das amigas. E foi nessa hora que a gente começou a brigar, o maior barraco no meio do bar, puxando cabelo, arranhando, mordendo, e veio o miro e os amigos poloneses dele e os amigos drogados da nina pra separar a briga e eu já estava toda arrebentada e sangrando, miro me arrastou pra fora e começou a berrar comigo meio em polonês meio em inglês coisas que eu não entendia bem, mas que deviam ser provavelmente do tipo puta que pariu, olha a louca que eu arrumei, a ninfomaníaca maníaco-depressiva com síndrome de perseguição e ciúme doentio, era só o que me faltava, vou te dar uma surra pra ficar esperta, e nessa hora voei pra cima dele pra mordê-lo e arranhá-lo e ele me deu um tapa na cara, um tapa seco e forte bem no meio da cara, ficou vermelho e ardendo por horas, o pior é que não foi ruim, aquilo me excitou e comecei a beijá-lo e lambê-lo, e ele que porra de mulher doida!, e eu sou doida mas te amo, te amo, te amo!

Naquela noite, depois que montei em cima dele e o fiz gozar três vezes dentro de mim, tive um sonho maldito, um desses pesadelos de bêbado que nos arrastam pra um túnel sem fim de desespero: nele, via miro deitado na cama, só de cueca, assistindo um filme pornô. Eu estava acorrentada e olhava o seu corpo bronzeado estirado sobre a cama e enquanto ele via a putaria na televisão sussurrava coisas como vai sasha grey, faz crescer em mim a vontade de viver, vem fazer borbulhar as proteínas, a glicose, os espermatozóides, a frutose e os anticorpos que vão engrossar o líquido seminal, líquido esse que vai ferver junto com as secreções do testículo e da próstata, posso sentir nesse exato momento a porra se formando dentro de mim, é quase como se o sêmen pipocasse dentro do meu saco, sinto cócegas tão gostosas, parece que você é que está chupando, sua safada, to te sacando, com esse jeito de princesinha, de cheerleader, essa pele branquinha e lisinha, esse narizinho arrebitado, na verdade não passa de uma ninfomaníaca, e eu tentava gritar miro, eu também sou safada, também faço sexo anal e tudo mais o que você mandar, mas nada saía da minha boca, nada, minha garganta estava seca, travada, ardendo. Tive vontade de me mutilar, de bater a cabeça na parede. Acordei banhada em suor e gritando e miro disse assustado o que foi?, o que houve?, e comecei a bater nele, espancá-lo com força e com ódio, até que ele me deu outro belo tapa na cara e fiquei mais calma.

Por pouco tempo. Passei a desconfiar de tudo. Quase todos os dias parava na frente do espelho olhando meus peitos e pedia pra que azmodeu me consolasse e dirimisse minhas dúvidas. Ele dizia: “Samanta, o miro é só seu e de ninguém mais, você realmente acha que tendo uma cavala peituda dessa em casa ele vai aprontar alguma na rua? Ele teria coragem de derramar em vão o sêmen dele, que é só seu? Só se fosse louco. Mas não é. É um polonês sério e um empreendedor eficaz. Ainda vai ganhar muito dinheiro pra nossa família.” Mas por que ele não me apresenta pra mãe dele, não me convida pra ir à polônia com ele?, e azmodeu dizia Samanta, você conhece a pobre da criatura há dez semanas, vai acabar assustando o cara.

É, né? Será?

Mas quando o amor é incondicional, um amor puro, concentrado, verdadeiro, a gente não faz loucuras? Eu sinceramente acho que ele está deixando de me amar. Que enjoou dos meus peitos. Quando comentou, naquele dia em que o vi pela primeira vez, que gostava de peitos grandes, talvez estivesse apenas fazendo um comentário prosaico sobre algo que eventualmente o agrada, como por exemplo sanduíche de pernil, mas isso não quer dizer que ele vá querer comer sanduíche de pernil todo dia, não sei, talvez seja interessante você ver uma peituda numa revista, num filme, mas será que não o cansava ver todo dia as mesmas grandes tetas lotadas de silicone?, será que não tinha nenhum tipo de alergia ou rejeição ao material?, quer dizer, no começo ele ficava pegando e chupando por horas e horas, agora já vai lambendo logo é lá em baixo, parece que se entediou com o brinquedo novo, e será que de vez em quando ele não pensa coisas do tipo honestamente já não agüento ver na frente aquele dois melões inflados e artificiais, parece mais um ciborgue de mini-saia, porque veja bem, lá na polônia, que é o lugar das pessoas que semeiam a terra, as mulheres costumam ser magras e ter a silhueta fina, elas geralmente têm seios pequenos, não exatamente pequenos tipo minúsculos, mas seios normais e saudáveis que cabem na palma na mão de um homem, seios que não são inchados, que não parecem ter sido encomendados da fabrica de coelhinhas das playboy, e será que ele não se lembrava com nostalgia das polacas que deixou pra trás, ou quem sabe até mesmo das inglesas, holandesas e africanas que já deve ter comido no seu roteiro multicultural na capital da inglaterra?, será que estava ficando com nojo de mim, de mim?, eu que bebia a sua saliva, a sua porra, o seu sangue. Sim, eu o mordia até sair sangue. No começo ele também parecia ficar mais excitado com isso, agora reclamava que ficava cheio de hematomas e cicatrizes. Sabe quando você compra algo caro que parecia inatingível e que há muito tempo cobiçava?, e depois de um tempo entulha esse algo na dispensa ou no fundo da garagem?, será que eu não era uma dessas tralhas?, eu com meus peitos fiz especialmente pra ele?

Esses pensamentos me consumiam e torturavam, por isso procurei por nina e pedi desculpas esfarrapadas, na verdade ainda estava morrendo de ódio, e sugeri que me desse um pouco de cocaína, e um dia depois do expediente dela no sex shop fomos pra uma balada no East London e cheiramos carreiras que eram verdadeiras taturanas no banheiro, fiquei transloucada, achei que aquilo ia me curar pelo menos por algum tempo do meu ciúme, mas foi justamente o contrário que aconteceu, onde será que miro está agora?, liguei no celular e nada do desgraçado atender, comecei a imaginar que ele estava por aí em alguma balada dando uma rapidinha no banheiro, ou quem sabe em casa assistindo um filme pornô – tinha dito que ia ficar em casa pois estava cansado e não pareceu nada triste ao me ver sair – então resolvi surpreendê-lo, me despedi tropegamente de nina, que soltou os cachorros dizendo coisas como vai me deixar aqui sozinha?, e eu nem liguei. Peguei um táxi e cheguei em casa cafungando, coçando o nariz, frenética, disposta e pegá-lo no flagra. Nessa hora azmodeu me disse: não vai acontecer nada, você vai ver, miro vai estar estirado no sofá vendo futebol na televisão, tomando uma cerveja e comendo uma batata frita, quer ver?, por que desconfia sempre assim dele, por que tem que ser tão insegura? e eu: cala a boca, demônio.


Dei de cara com ele vendo pornografia no computador. Na verdade o surpreendi por trás. Estava usando um grande fone de ouvido. Por isso não me percebeu chegando. Vi qual era o site. Vi que ele tinha abertas, na tela do navegador, mais de dez janelas. Ia navegando por todas. Em cada uma, a degradação era mais absoluta: um monte de gente numa suruba, sexo à três, sexo anal, oral, ninfetas. Meninas de dezoito anos. Ele se masturbava com a mão esquerda e mexia com o mouse na direita. Na escrivaninha tinha um copo dágua do qual às vezes tomava um gole e depois cuspia na rola. Não sei quanto tempo fiquei ali olhando aquilo. Mas de repente comecei a gritar e a berrar e a quebrar tudo. Dava chutes e socos nele, no computador, na janela – me cortei, me rasguei, me fodi. Foi o pior ataque histérico da minha vida, a hora em que eu realmente queria matar alguém. Não gosto nem de lembrar. Fui parar na delegacia, fiz a maior cena na frente dos vizinhos, de todo mundo, ah, azmodeu, azmodeu, meu amigo. Jesus me chicoteie. Vai, bate, eu mereço, sou uma burra, uma histérica, desequilibrada, louca, violenta, insegura, drogada, barraqueira, maldita, maldita de mim, quero que você me espanque, coma meu cu depois enfie uma faca nele. Só porque o amava tanto.

Quatro dia depois – passando um interlúdio na casa de nina, que me perdoara – descobri que estava grávida. Foi um momento de absoluta tranqüilidade, que já esperava. De repente comecei a me sentir uma santa. Sim, fora tudo uma provação: os santos são constantemente tentados, mas resistem. Eu não ia desmoronar. Aquele filho vinha me ensinar a viver, me dar responsabilidade, equilíbrio, disciplina, correção, cabeça no lugar, Samanta, ia ter que parar de usar droga, de beber tanto, de me alimentar só de porcaria, ia cuidar da minha saúde, de mim, do meu corpo, e de miro, que me perdoaria. Aquele filho era o perdão encarnado. Nina me perdoou por tudo o que fiz e disse. Eu perdoei miro inapelavelmente quando o vi, pedi desculpas, fiquei de joelhos, juro. De joelhos no meio do d. park, num fim de tarde, igualzinho nos filmes. Comecei a lembrar de umas coisas da minha família, uns estranhamentos que tive com minha mãe, meu irmão, e compreendi como foram pequenos detalhes insignificantes, na verdade desvios comunicacionais perfeitamente contornáveis por pessoas adultas e dotadas da simples capacidade de perdoar, compreender, tolerar, esquecer. Eu era outra Samanta.


Voltei pra casa de miro. Ligamos pra nossas famílias e contamos tudo, felizes. Fizemos planos e mais planos mirabolantes a respeito do futuro, da vida, de todas as coisas. Eu o amava e ele me amava. Era lindo e de verdade. O esperma dele tinha entrado em mim, finalmente, agora éramos três, uma família, uma família, uma família, eu poderia ficar repetindo a palavra família eternamente, era uma palavra linda, pura, radiante, my family!, eu e a grande pátria polonesa dentro de mim. Comprei roupas de grávida, liguei pra todo mundo no brasil e contei a novidade, rindo, rindo! Minhas amigas diziam: “parabéns, Samanta! Que loucura hein!” E eu: é, QUE LOUCURA MESMO, QUE LOUCURA MARAVILHOSA! E elas “o importante é você estar feliz” e eu POIS EU ESTOU FELIZ, felicíssima, feliz na limite mais extremo da felicidade, feliz até as raias do absurdo, ó que ótimo, elas diziam, e eu: sim, que ótimo.

Tudo graças ao esperma dele. Dei pra adorar miro como se adora um deus, incondicionalmente. Via o pobre do infeliz deitado, vendo tv, e pensava: eis aí uma divindade. Eis aí o homem que me fecundou, que irrigou de bondade e alegria um ventre que há eras ansiava por isso. Tinha visões acachapantes de tão reais sobre o nosso futuro, visões que não eram meras elucubrações despretensiosas, não, visões que iriam de fato se concretizar, profecias, leis escritas nas estrelas e nos oráculos, esclarecimentos visionários sobre a nossa vida, todos verossímeis, todos questão-de-tempo. Eu e miro em nossa casa, em angra. Nossas escapulidas pros festivais de cinema. Viagens repentinas à milão, istambul, turquia e polônia. Era fato, eu teria de aprender a falar polonês, o mínimo pelo menos, pra falar com a família dele (e minha). Iríamos à polônia pelo menos três vezes por ano pra temporadas de duas a três semanas. Eu seria uma meia polaca muito bem adaptada e todos o nossos filhos iriam preservar conosco as raízes polonesas de miro. Seria amicíssima da mãe dele. Quando estivesse num render-vouz ou nalgum tete-a-tete intelectualóide e alguma pseudo citasse a cultura polaca eu a interromperia muito educadamente e corrigiria as generalizações ou as inferências enganosas que tivesse porventura engendrado, pois conheceria a fundo a cultura polonesa, minha cultura afinal de contas, aliás o digo porque ocorre de eu ter seis filhos meio poloneses e ser casada com um polonês que trabalha na bolsa de valores do rio de janeiro representando fundos de investimento do leste europeu que negociam petróleo, gás, carvão e outras traquinagens da industria naval, aliás te contei que ele – miro – tem um veleiro ancorado numa das ilhas gregas do mar egeu?, mês que vem vamos busca-lo, atravessar o atlântico e atracar no cais de nossa casinha – simples mas tão cheia de amor e companheirismo – e a verdade é que tenho uma vida excitante e saborosa e um marido rico e excêntrico e polonês. Claro, ele teria que fazer um curso sobre a bolsa de valores. Teria que estudar. Mas era lindo e tinha inteligência espacial, eu confiava e acreditava nele.


Cinco semanas depois, abortei. Foi uma experiência terrível, esmagadora, que não consegui suportar. Fiquei realmente mal, muito mal, péssima, horrível, destruída, como se um caminhão houvesse me atropelado com rodas cravadas de canivetes envenenados. Entrei em depressão profunda, virei uma pessoa vazia, oca, desolada. Tentava esquecer da cena hedionda no banheiro, o sangue escorrendo pelo piso inteiro, os pedaços estraçalhados del.... não, eu nem consig


Passei a me auto flagelar. Pensava: você é uma suja, Samanta, seu ventre é podre, você tem um útero de bruxa onde borbulha o mercúrio, o enxofre, a vaidade, o pecado – pecadora! Meretriz! Vagabunda! Vaca, vaca imensa, vulgar, com seus peitos enormes e ridículos, pedantes, asquerosos, malditos! Seu jeito, Samanta, é de puta! Tá no seu dna, querida! Você fala, age, gesticula e pensa como uma grande putona danada do rabo largo e da teta grande, não adianta fazer cursinho disso e daquilo, não vem com essa de postura corporal, de praticar meditação, de ir na fonoaudióloga aprender a falar que nem gente e não como um demônio sem calcinha, você é e sempre foi uma prostituta, PROSTITUTA.

Passei um mês inteiro sem sair do apartamento, com as janelas fechadas, as cortinas fechadas, o coração lacrado. Miro tentava me ajudar, em vão. Falando com minha mãe pelo telefone, ela percebeu que eu estava mal e disse que vinha me ver, e eu: mãe, se você vier juro que me mato, pulo de um prédio, só me manda mais dinheiro, juro que vou num médico. Dei meu cartão e crédito a miro e disse que ele podia gastar o que quisesse. Joguei um monte de roupa no lixo e comprei outras pela internet. Cortei o cabelo no banheiro. Pintei a parede da sala e escrevi umas frases sinistras sobre a morte e o desespero. Quando estava trepando com miro, torcia, esmagava e mordia toda a rola dele. De repente, a única coisa que me dava prazer era a dor, a humilhação, o desentendimento. Eu o xingava de tudo, depois passava três dias sem falar com ele. Mordia seus mamilos de repente. Mordia a cadeira, a mesa, a parede. Era particularmente cruel com nina. Por exemplo, marcava um encontro e não aparecia. Ou ficava escondida do outro lado da rua ou em algum lugar e a observava me procurar como uma acéfala. Ligava no meu celular e eu não atendia. Via a coitada pegar o metrô e o ônibus e depois de meia hora ligava a dizia: ei, to aqui, cadê você?, e ela já fui embora, e eu volta!, volta!, e ela voltava e eu desaparecia de novo ou então quando a gente saía eu cuspia no sanduíche dela ou urinava na latinha de cerveja dela quando não estava olhando, inventei histórias sobre ela pra uns amigos em comum que a gente tinha e etc. Todos pra mim eram babacas cretinos, inclusive miro.

Quando estava começando a me curar da minha depressão, fiquei grávida de novo.



4

Sério, foi uma montanha russa. Os hormônios enlouqueceram.



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