quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

#umprofeta

#DDD
#umprofeta

Mal viro de lado dou de cara com Henriquinho da Miséria, que não vejo há mais de quinze anos, mas o burburinho na festa é tanto que mal consigo ouvir o que ele diz, e ainda tenho que entregar essa caipirinha pra Lara:
“... juro que vi pontes de concreto oscilando. O vento que batia era tão forte, mas tão forte, que as pontes oscilavam, os prédios tremiam, as ruas se abriam e engoliam as pessoas... já ouviu falar na cidade perdida de Zanzibar, do El dorado, da cidade de ouro no coração da selva...?”
“Mesmo?”
“Sim, e os extraterrestres, naturalmente! Inclusive preciso ler aquele seu ensaio sobre a ficção científica nos anos 60. Ando lendo muita coisa diferente hoje em dia, uns antropólogos bem lado-b, literatura africana, hinduísmo cyber-punk. Inclusive queria te perguntar, qual é mesmo o nome do cara que escreveu Stranger In A Strange Land...”
“Robert Heilen.”
“Isso, exatamente. Ouvi dizer que as ilações e as inferências que ele faz com o direito internacional aero espacial são muito engenhosas e mostram como toda legislação não deixa de ser uma espécie de ficção, me corrija se eu estiver errado. Não li o livro mas uma resenha muito interessante na Bravo, que também traçava o perfil político (baita reaça) e psicológico de Heilen.... assim como o K. Dick, esse caras que primeiro piraram na tecnologia como matriz e argumento estavam criptografando o século XX, particularmente o boom capitalista do pós-guerra, o fascínio com os satélites, os computadores... olhe, olhe só pra isso”
E tira do bolso um celular.
“Tem tela de carbono ultra fino e capta oscilações espirituais e eletromagnéticas.... sabia que há um profeta aqui hoje?”
“Hã?”
“O Jamanta, Jamanta, vem cá, em cá...”
Jamanta chega trombando em todo mundo e derruba dois dedos da caipirinha que tenho que entregar pra Lara.
“Conta aí do profeta, o profeta que vai promover o ritual do solstício...”
“Olha, na verdade tenho que levar essa caipirinha ali pra...”
“Tu não sabe do profeta?” berra Jamanta, “não sabe do que ta rolando? Quem você acha que ta bancando essa festa?”
“Não sei. Não é aniversário de uma tal de Robertinha?”
“Criança inocente, tu não sabe mesmo de nada? Gado indo pro matadouro! Peão! Bucha de canhão! Hahaha! Cu de bêbado não tem dono!”
“Conta pra ele do Alexander Rockeihemmer.”
“Sim, ele! Já ouviu falar em Alexander Rockeineimer?”
“Não.”
“Suponhamos apenas que ele tenha sido um cara que viveu no Brasil entre 1616 e 1756, o que dá cento e cinqüenta anos.”
“Sim, como os personagens bíblicos! Há relação entre os gigantes degenerados da segunda derrocada da lua sobre a terra e as alegorias e invencionices das sagradas escrituras, principalmente da parte védica do antigo testamento.”
“E suponhamos que esse cara tenha sido traficante de escravos, agitador político sedicioso, bruxo e alquimista e suponhamos também que ele tenha erguido um castelo lá bem no meio da Amazônia. Suponhamos, apenas suponhamos, que ele não era humano...”
“Cala a boca, Jamanta” diz um sujeito que chega do nada: “Tu fala pra caralho, hein!”
“Olha, vou indo que preciso entregar essa caipirinha pra...”
“Falo! Falo e evoco terceiro postulado de Hocheimhemmer: “o conhecimento deve ser espalhado, mesmo entre burros e os néscios.”
“Olha, ele ta te chamando de burro e de néscio...”
“Não importa, vou indo que preciso...”
“Agora diga, sem meias palavras, de homem pra homem. Você se julgaria apto a participar de uma sociedade secreta que compartilha segredos milenares?”
“Olha, até que sim, mas...”
“E se um dia um sujeito tocasse o seu ombro por trás e propusesse uma tarefa aparentemente estapafúrdia? Será que saberia captar a mensagem? ´Ah, estão me testando, vou fazer o que me mandarem pra subir o primeiro degrau da pirâmide`.”
“Até que pode ser, mas agora...”
“É preciso perspicácia e discernimento. E de resto quem seria tolo a ponto de abdicar do conhecimento? De saber que há um instrumental prático e teórico pronto pra ser deflorado e ainda assim permanecer inerte? É claro que quando e se o contato acontecer, será por um bom motivo: quer dizer que foi escolhido, pode tentar tornar-se um deles.”
“Um dos nossos” diz Jamanta.
“Mas que somos nós?” pergunta Henriquinho da Miséria, “quer dizer, um dia um cara chegou pra mim e disse: você pode dirigir esse caminhão até São José do Rio Preto e entregá-lo para tal pessoa em tal endereço? Me deu as chaves de um caminhão que estava logo ali na esquina. Dirigi até lá, voltei de ônibus, e nada. Quase um ano depois chega uma carta muito estranha lá em casa, dizendo que eu tinha ganho numa promoção um fim de semana no Guarujá.”
“Já leu Borges? Já ouviu falar na loteria da Babilônia?”
“A grande conspiração é que não existem conspirações, já disse o profeta certa vez sob um tronco de carvalho, às margens do rio Ganges...”
“O profeta pode ser qualquer um. “

Nenhum comentário:

Postar um comentário